Do grotesco e do sublime

Sinceramente, concordo que ontem não era um dia perfeito para pedalar. O frio, por si só, não me incomoda, assim como o sol, como a chuva, como as nuvens claras ou escuras. Mas existe uma umidade nesta cidade que deixa meu peito como que nublado. E minha alma, às vezes, dói. Que importa? Ao nascer, fui presenteado com um órgão curioso. Um órgão que, bem tratado, pode servir de remédio para os males da alma. Assim, de vez em quando, levo-o para passear, o cérebro, esta noz com mania de grandeza que carregamos no ponto mais alto de nosso corpo (talvez para que olhemos o mundo com altivez).
Ontem, quando estava levando-o de volta para casa, senti-me como um animal estranho e grotesco. Chovia. Muito. A noite havia acabado de cair. É certo que a bicicleta não é a maior expressão da liberdade de locomoção, mas tem seu valor, perdendo apenas para os pés nus. Do mesmo modo, uma figura obscura, de gorro colorido, luvas, vestindo um poncho verde por sobre o equipamento não é o que poderíamos chamar de singelo.
Os motoristas olhavam com espanto e vergonha. Mais vergonha que espanto. Os passageiros dos veículos gigantes não pareciam menos incomodados. Os pedestres se assustavam – seria um assalto? Eu era um bicho verde. Não gosmento, mas bastante molhado.
Não vi outro espécime igual. A ciclovia tinha um dono só. O que vi foram as ovelhas pastando no parque. Um sabiá teimoso cantando no inverno, confundindo uma lâmpada do parque com sol (sabiá cantando no inverno merece fotografia com som, pois todo mundo, ou quase todo mundo, sabe que eles não cantam no inverno). Vi também os patos se recolhendo do lago. E a cidade trancada atrás de vidros embaçados.
Ao sentir o cheiro da chuva, pensei: eu não deveria ser visto como um ser grotesco, verde e pegajoso. Eu merecia ser visto como um passarinho, e receber um néctar acalentador ao chegar em minha toca.
Ao chegar em casa e despojar-me de minha pele verde gotejante, recebo uma ligação. Era uma amiga que havia chegado da Suíça. Perguntou-me se eu não queria jantar com ela, pois havia me trazido uma garrafa de vinho, lá dos Alpes. Sublime...

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Lunes, Octubre 24, 2011 - 15:35

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Maurício Decker

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Olá Maurício, Sublime é esse

Olá Maurício,

Sublime é esse teu texto, que proporcionou-me viajar nesse passeio cheio de humor e poesia...

Sabes,para mim não és um bicho verde,mas sim um passarinho que cantou!smiley

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