Crónica incompleta: A linha do Douro
Embarquei nesta pequena viagem de mochila branca, pequena mas pesada, apoiada nas minhas costas, numa tarde enublada.
À medida que a carruagem avançava em direcção ao destino predefinido, o ferro velho dos dois trilhos teimavam fundir-se num só, lá longe.
Pedras e mais pedras, de tons acastanhados e vários tamanhos passavam por baixo dos meus pés sem que lhes sentisse as formas, é que eu viajava, sentada, em cima de duas linhas paralelas em direcção ao Pinhão.
Nas margens deste passeio as árvores corriam ao meu lado vestindo-me das sombras, e quanto maior era a velocidade a que o comboio se movia, maior era a minha saudade de casa. Só ia estar fora dois dias, mas não há nada como o conforto do nosso lar, e eu ia para um que não me pertencia.
Os barulhos do vento entoavam uma música constante e ritmada, sentia-me embalada, bocejando o meu cansaço.
Vi de tudo; até os pássaros; apesar das nuvens cinzentas que cobriam a tarde. Vi também os agricultores a acariciarem as suas hortas com as enxadas ruidosas que se confundiam com o som metálico do comboio a percorrer a distância prometida.
No banco corrido onde me deleitava, havia lugar para mais duas pessoas, mas apenas a minha mochila e o meu casaco me faziam companhia, antecipando o frio que sentiria ao cair da noite.
Levantei os olhos do papel por uns momentos e fui assaltada pela imagem de um homem de semblante triste, na casa dos cinquenta, apoiado num par de muletas gastas. Faltava-lhe uma perna! A cabeça ia apoiada numa das mãos enquanto a outra repousava, rendida, na armação de alumínio necessária há sua condição.
Distraí-me com a paisagem em tons de verde e amarelo, pois o Outono já dera ares da sua graça por esses lados. O rio Douro seguia o mesmo trajecto transmitindo-me a calma e o desejo de nunca chegar ao término da linha.
Se me quisesse afogar não conseguiria, os peixes levar-me-iam em ombros até uma praia próxima, pois eles sabem que ninguém deve morrer no centro de tão bela vista, rodeada de socalcos criteriosamente recortados.
Cheguei.
Aqui, no Douro, o céu está sempre mais limpo, mesmo depois da hora tardia, as estrelas reluzem e há luz mesmo no escuro da noite.
Submited by
Prosas :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 976 reads
other contents of MartaBaptista
Tema | Título | Respuestas | Lecturas | Último envío | Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Videos/Perfil | 591 | 0 | 1.304 | 11/24/2010 - 21:52 | Portuguese | |
Videos/Perfil | 590 | 0 | 1.354 | 11/24/2010 - 21:52 | Portuguese | |
Fotos/Perfil | 1411 | 0 | 1.713 | 11/23/2010 - 23:39 | Portuguese | |
Prosas/Otros | Crónica incompleta: A linha do Douro | 0 | 976 | 11/18/2010 - 22:51 | Portuguese | |
Poesia/General | Eu sou feita também dos pássaros | 5 | 930 | 03/18/2010 - 18:32 | Portuguese | |
Poesia/General | Eu estou aqui! | 3 | 790 | 03/18/2010 - 18:12 | Portuguese | |
Poesia/General | A direcção do rio | 5 | 738 | 03/14/2010 - 15:30 | Portuguese | |
Poesia/General | O farol | 3 | 816 | 03/09/2010 - 01:42 | Portuguese | |
Poesia/General | O sonho | 2 | 969 | 03/09/2010 - 01:37 | Portuguese | |
Poesia/General | Atenta | 4 | 977 | 11/07/2009 - 19:50 | Portuguese | |
Poesia/General | As pedras | 7 | 959 | 11/05/2009 - 21:08 | Portuguese | |
Poesia/General | És estátua | 11 | 985 | 10/30/2009 - 22:25 | Portuguese | |
Poesia/General | A resposta | 4 | 822 | 10/25/2009 - 23:50 | Portuguese | |
Poesia/General | O meu maestro | 9 | 865 | 10/25/2009 - 15:52 | Portuguese | |
Poesia/General | A eternidade do tempo | 7 | 891 | 10/24/2009 - 20:25 | Portuguese | |
Poesia/General | Um Propósito | 4 | 817 | 10/20/2009 - 19:01 | Portuguese | |
Poesia/General | Paladar | 11 | 873 | 10/19/2009 - 22:58 | Portuguese | |
Prosas/Otros | Uma carta para alguém- 2º Momento | 1 | 901 | 10/19/2009 - 03:25 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Dedicatória " O dessasombro" | 7 | 1.338 | 10/18/2009 - 22:09 | Portuguese | |
Poesia/General | Poeta sem talento | 6 | 839 | 10/17/2009 - 12:22 | Portuguese | |
Poesia/General | Hoje podia contar-te um segredo | 8 | 836 | 10/16/2009 - 22:30 | Portuguese | |
Prosas/Otros | Uma carta para alguém - 1º momento | 1 | 886 | 10/16/2009 - 14:55 | Portuguese | |
Poesia/General | A última viagem | 3 | 859 | 10/16/2009 - 00:25 | Portuguese | |
Poesia/General | Ainda perto do Farol | 2 | 811 | 10/15/2009 - 16:43 | Portuguese | |
Poesia/General | Não me culpes | 3 | 849 | 10/15/2009 - 01:37 | Portuguese |
Add comment