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CALADA MAIS CALADA QUE O SILÊNCIO
A noite cai. Abraça-me
como pedra atirada sem leme
pelo mar revolto dos meus olhos.
Traz quimeras como ondas em crista cinza.
Borrascas como sorrisos se desvaneçam
numa praia de fogos desamparados.
Fogos onde ardem sementes
que não colho. Labaredas despedaçadas
como vento em desnorte pela caligrafia da alma.
A noite veste solidão para me adereçar de tristeza.
Calça o tempo em passo largo para me pisar.
Calada mais calada que o silêncio.
Maior que si própria. Contumaz em estrelas
como pulgas a sugar o fôlego do meu infinito.
O seu breu é uma estrada em recta
no meu céu de curvas e contra curvas.
Bandeja de luares em luas turvas.
Eira de sonhos. Eclipses como cama em coma.
Olho descomunal como janela de água
onde jorra o medo numa fusão de escuro e mágoa.
A noite é um moinho
de pássaros sem asas que fazem ninho
na voz da madrugada que me esmaga de ansiedade.
Alvor como animal ferido jaz sozinho nos nós dos ais
que se desatam loucos pelas teias das minhas palavras.
Mais negra que o preto, a noite indaga
pelos meus poros como borbulhas de lodo.
Rodopia-me a cabeça como coroa de alfabetos gagos
que a saudade soletra em pranto num fio de luz trôpega.
Universo que de letra em letra se esfuma
como incenso de distâncias a perfumar o ar que respiro.
É também a noite pedra que atiro
para flutuar como borboleta assassina
sobre os lagos do meu corpo e matar o vazio.
Usar o seu frio como canoa que me leve ao peso da aurora
onde outrora as canções eram gotas de orvalho brilhantes.
Agora lágrimas como alho nos meus lábios carentes.
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