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POST MORTEM

Pertenço a prole que Abril pariu
do ventre dos cravos que brindou ao vento
e vi nos seus olhos despidos de luz
seres letárgicos...
famintos...
nus...

Que fugiam para a rua sem bússolas
em busca de paraísos de néon
e hoje são navios encalhados
no desalento

Que queimavam  olhos horas a fio
frente a ecrãs de televisão
e hoje suspiram memórias arco-íris
de uma infância sem tempo

Que abraçaram a noite sem máscaras
em busca de loucura e excesso
e hoje são poços sem fundo 
de valores que não compreendem

Que se entregaram ao álcool e ao ácido
em ruas sem nome e casas sem vida
e hoje vomitam a ressaca do que foram 
em espelhos partidos

Que trocaram impressões digitais dia e noite
e explodiam de êxtase até de madrugada
e hoje incineram horas e palavras
frente aos ecrãs dos computadores

Que partiam montras
vandalizavam templos 
e palácios de abóbadas douradas
e hoje escondem a vergonha dos gestos
em sorrisos sem legendas

que rasgavam discursos incendiários 
e pegavam fogo a bibliotecas
e hoje caminham cegos e surdos
segurados por demagogos sonâmbulos

Que queimavam as poupanças dos pais
em noites sem tempo e orgias dionisíacas
e hoje contam as sobras da ressaca 
de um passado gasto pela usura

Que invadiram universidades
sedentos de prazer e futuro 
e hoje suspiram passados vazios 
na embriaguez do presente

Não reconhecem os nossos rostos?
Nunca ouviram os nossos gritos?

Olhai bem profanadores da palavra
estes são os filhos de Abril
os rebentos imberbes
que castraram à nascença
com amanhãs
que nunca despertaram

As cobaias das vossas experiências
as crianças perdidas
a quem roubaram os sonhos 
e abandonaram em oceanos de dúvidas
e desertos de ideias
sem bússolas bandeiras e lanternas

Olhai de novo mercadores de promessas
estes são os filhos da nova Europa
cordeiros
pastores de cordeiros
caminhando em círculos sobre pântanos
onde semearam as vossas catástrofes

os mendigos envergonhados do presente
que escindem a cara de vergonha
para nunca ninguém vislumbrar
a miséria que consumiu as suas vidas

Somos nós o grande rebanho 
que a estatística e a imagem ignoram
somos nós o cordeiro do homem
que aponta o dedo contra o mundo
e é chamado à barra do tribunal
para responder por crimes 
que nunca cometeram

Somos nós o dedo acusador 
que rasga o pano da realidade
e não tem medo de anunciar
a morte do homem
e de tudo aquilo em que acreditou
e jurou deitar as mãos no fogo
antes de vender a sua alma

Somos nós o voto em branco
que mancha os cadernos eleitorais
o silêncio que marcha nas ruas
e protesta contra os tentáculos do polvo
que vós alimentastes
à custa do nosso sangue

Somos nós as hipotecas bancárias
das vossas megalomanias
a seiva branca da grande árvore
sugada pela gula dos vampiros

Somos o ruído metafísico 
atrás do ecrã da televisão
somos o juiz cego e o advogado surdo
dos amanhãs por nascer
somos o luto da nossa alma
somos a noite do homem 
que recusa olhar-se ao espelho

Descendemos do português típico
que trabalha na sombra do mundo
e se encontra à margem do poder
que lhe pertence

Descendemos do não-português
cosmopolita e moderno
avesso a tudo o que identifica
o país donde nasceu
e contra a sua vontade 
é estúpido

Somos apátridas da nossa pátria
ateus de todas as fés
crentes no fado 
de um presente sem passado 
e sem futuro

almas anãs com fatos de pele e osso

Somos todas as direcções do vento
e uma verdade inabalável
mais forte que todos os medos
que acredita...

Num país que não nasceu do acaso
mas de um destino superior a todas as regras

da razão e da lógica

Numa terra que habita
em cada lágrima que brota e se ouve
num fado ou na foz de um rio
e desagua numa promessa de regresso
à região que jurou voltar e morrer

Numa pátria cuja língua
é um abraço do tamanho do mundo
de todas as cores religiões e etnias
estendido de hemisfério a hemisfério

Num português que é um todo
que se mede pelo tamanho da alma
do seu querer
e do seu sonho
e quer chegar de novo à Índia

E no regresso da luz e do éter
ao coração ferido do homem
num império feito de sol e de sal
livre de senhores dogmas e tratados
religiões governos partidos e Estados

Onde cada alma que se esbanja
é um encoberto regressado
e cada ser que semeia esperança
uma reencarnação do Desejado

Chegou a hora do futuro
do céu chegará o sinal
tens nas mãos o destino do mundo

Cumpre-te Portugal!

Tiago Moita
"Post Mortem e Outros Uivos"
WorldArtFriends/Corpos Editora
2012

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sábado, novembro 16, 2013 - 20:31

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tiago moita

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