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Diário de marinhagem (I) *

Diário de marinhagem (I)*

E foi-se a força
e foi-se o mar
e foi-se o vento
e restou tão só o tormento.
Oh, homens! Oh, marinheiros!
Será porventura
este seu único intento?

Na manhã do dia treze de janeiro, benzeu o capelão-mor nossa vela. E como fizesse belo noroeste, vingamos o cabo e ganhamos a barra.
Nossa nau era um galeão, Virgínia, de setecentas toneladas e quarenta bocas, muito bem equipado para a guerra.
Tínhamos ordens para navegar sempre descaindo para o sul do equinócio. Era suspeição Del-rei haver terras para aquelas bandas.
Devia nossa vela apresar todas as naus flamengas e portuguesas que topássemos. E se porventura nessa derrota terras houvéssemos, devíamos proclamá-las Del-rei pertencentes.
Com dez dias, avistamos três velas sem que pudéssemos vislumbrar quais fossem. Mas como elas também nos avistaram e se deram pressa em fugir, tivemos a certeza de se tratar de velas adversárias e intentamos dar-lhes cerco.
Duas se nos escaparam. Apreendemos a terceira, que era de bandeira portuguesa. Provinha d’África, e trazia carregamento de açúcar e azeite, o que nos foi de proveito.
Prosseguimos nessa derrota por quinze dias, favorecidos por belo vento sul-sudeste e no décimo sexto atingimos a linha equinocial, onde a noite e os dias são iguais.
Quedamos aí mais ou menos trinta dias flutuando em calmaria podre, o que resultou em faltar-nos provisões. Era-nos dado um copo d’água por dia e uma porção de farinha de cassave. A marujada começou a adoecer de escorbuto.
Ao final do trigésimo primeiro dia, à custa de muito rogo a nosso Senhor Salvador, vimos nossas súplicas atendidas. Foi-se-nos de súbito a calmaria.
Endireitamos para Tenerife para lá nos aprovisionar e, com sorte, apresar um corsário que soubemos estar por aqueles lados.
Já à vista da terra do Tenerife apanhou-nos de súbito tal tormenta que se pode dizer que todos os deuses do mais fundo tártaro contra nós se puseram, como se fôssemos réprobos que só isso deles merecêssemos.
À plena luz do dia, fez-se escura noite de breu. À brisa boa que nos soprava, restou-nos poderosíssimo vento norte-nordeste que numa só rajada nos pôs abaixo o mastro principal.
Vimo-nos sós, tendo apenas por companhia o bondoso Senhor Deus, em meio a tão brutas águas.
Arrojamos convés fora toda a carga e todos os nossos pertences. O piloto já não mais encabrestava a nau e éramos impelidos para os ameaçadores parcéis.
Roguei ao Salvador que mais uma vez nos valesse.
Arremetemos com toda força contra um dos parcéis e nossa proa nele se esfacelou. Não tardou a nau se partir em pedaços e ser toda engolida por tão malfazejas águas.
A custo me livrei dos escolhos e as ondas me arrastaram para terra. Poderoso vagalhão me atirou para a praia. E nem bem, exausto, nela me aprumei, do lodoso daquele pedaço de mar surgiu tremendo leviatã.
Tinha bem dez côvados de altura, garras longas e afiadas, brânquias infladas. Tomou-me em sua bocarra e arrastou-me para as profundezas.
Entreguei minha alma ao Senhor, naquele momento certo de que o destino é o homem que tenta bordar, mas, ao fim e ao cabo, é a mão de nosso Senhor Salvador a única que o pode alinhavar.

____________________________________________
* Inspirado em textos de Hans Staden e Antonio Knivet

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segunda-feira, maio 17, 2010 - 05:24

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EduardoBorsato

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