O gordo que virou bolacha

-Tão gordo assim?
-Mais do que você pensa.
-Mais quanto?
-Nesta sala, não ia caber.
-Não?!
-Tou dizendo.
-Não dá pra acreditar.
-Acha que tou mentindo?
-Não... mas é que...
-Foi a mãe.
-A mãe?
-Que engordou ele.
-Não!
-Prum ritual.
-Ritual?
-Lavar os pecados.
-Tinha tanto pecado assim?
-Um só.
-Mas então...
-Gravíssimo.
-É?
-Dormia com a mula sem cabeça.
-Cumé que é?!
-O marido descobriu.
-Espera... espera...
-Ameaçou ela de morte.
-Peraí...
-Morte horrível.
-Merda! Peraí! Cumé que você quer que eu...
-Ela então foi no Pai Tonhão.
-Cruz! Ele só trabalha com magia negra!
-Queria que o marido esquecesse.
-A mula sem cabeça?
-O filho tinha que ser o ebó.
-O filho?!
-Cozido, misturado com canjica branca...
-Mas...
-... dois ovos e farinha de mandioca...
-Mas... mas...
-... pra dar a liga, depois fazer o bolo, achatar feito bolacha...
-Bolacha?
-Exu Calunguinha.
-Pra ele?
-Exu que tem duas cabeças,
mas ele olha sua gira com fé.
Uma é de Satanás do inferno,
a outra é de Jesus de Nazaré.
-Ela fez o ebó?
-O marido se esqueceu de tudo.
-Então o filho...
-Dizem que ele aparece...
-Aparece?
-Todo ano.
-É?
-Uma semana antes do dia de finados.
-É?
-Como hoje.
-É?
-Disfarçado de mulher, magrinha como eu..
-É?
-Conta uma história igualzinha a essa à primeira que encontra.
-É?
-Depois transforma a outra em bolacha.
-É?
-E come.