Velhos galeões

Morria. De câncer.
A filha mais velha queria-o logo defunto. A mais nova queria-o vivo. A esposa não queria nada, não tinha o que dizer, não sabia o que pensar.
Eu era seu maior amigo. Imaginei que também da família.
–Metediço! Onde já se viu? Quem esse sujeitinho pensa que é, telefonando a toda hora, xeretando a vida da gente – resmungava a mais nova.
Ou, pelo menos, era o que eu imaginava, já que, escritor, pretendia narrar os minutos finais de meu amigo.
A mais velha parecia não ter opinião, mas, às minhas costas, não parava de me criticar.
Então o filho resolveu ficar do meu lado. Assim, pelo menos eram dois contra um.
E as coisas foram correndo, os personagens e seu criador, até que uma madrugada a esposa me ligou:
–Ele acaba de morrer.
Providenciei desde o atestado de óbito até o serviço funerário, o tipo de caixão, a sepultura, a gorjeta dos coveiros.
A filha mais velha, a mais nova e o filho não foram ao enterro.
Não me perdoaram e não me perdoam até hoje. Continuam ainda a viver com o pai, a mais velha esperando que ele morra, a mais nova querendo-o vivo, o filho preferindo aguardar pela herança pousada nos porões de velhos e naufragados galeões espanhóis que jamais existiram.