Lição de vida-10ºPARTE

Saímos da pastelaria e apanhamos novamente o autocarro.
- “Se tens onde dormir, porquê é que estavas a dormir na rua?” – questionou-me intrigado.
- “Eu vivia com a Leonor…” – olhei para fora do autocarro vazio – “Ainda não me conformei com a ideia que ela não está. Sei lá…” – conclui respirando fundo e contendo as lágrimas.
- “Já pensaste no que lhe aconteceu a ela? Isso não te dá vontade de largar essa porcaria?”
- “É tão fácil falar Ricardo…” – sorri enquanto limpava uma lágrima – “Só pode falar quem já passou por isto. A Leonor morreu. E eu também vou morrer. Somos drogados. Na vida do drogado só existem duas certezas: primeira é que depois de te injectares, tens que arranjar dinheiro para a injecção do dia seguinte. E segunda certeza: somos porcos miseráveis que merecem morrer. E um dia, morremos. E todos ficam felizes porque anda menos um estupor viciado nas ruas”
- “Estás a falar de ti própria!” – disse chocado – “Será que tens noção das barbaridades que estás a dizer?”
- “E tu Ricardo? Será que já pensaste que nem todos nascemos para ser desportistas, médicos, advogados ou famosos cheios de dinheiro? Sem os drogados as brigadas criminais teriam ainda menos trabalhadores… sem falar da polícia. Esses iam para o desemprego. De certo modo somos uma mais valia para o governo.”
- “Isto não é assunto que deva ser tratado com ironia InÊs!” – reclamou.
- “Sabes, pensar assim é a única maneira que tenho para me sentir útil para alguém”
- “Tu não pareces uma drogada. Custa-me a acreditar que sejas tão viciada assim. Vá lá, larga isso…”
- “Se for para continuar com esta conversa podes sair já daqui”- disse friamente.
Ricardo calou-se.
O autocarro parou na rua onde o tínhamos apanhado.
Saíamos do autocarro e entramos num prédio um pouco distanciado de tudo. Aquilo não tinha de todo uma boa imagem. Era velho e assustador.
Entramos na recepção. Não havia porteiro.
Ricardo dirigiu-se ao elevador
- “O elevador não funciona” – disse-lhe – “Anda pelas escadas” – fiz-lhe sinal para que me seguisse.
Subimos então até ao segundo andar.
Coloquei as chaves na ranhura e rodei-a.
Abri a porta e fiz sinal a Ricardo para que entrasse primeiro. Ele assim o fez.
Olhou em seu redor.
Não estava assim tão mal arrumado. Na sala um colchão com vários preservativos já usados e batom vermelho marcado nos lençóis amarelados.
- “Anda, o meu quarto é aquele” – disse apontando-lhe para a porta.
Abri a porta do quarto.
O quarto era muito pequeno. Só cabiam dois colchões no chão. Numa das extremidades do quarto estavam as minhas roupas e maquilhagem espalhadas.
- “Aquele colchão. Quem dorme lá?” – perguntou curioso
- “Era a Leonor e o namorado”
- “Ai ela não…”
- “Sim. Ela também andava na vida mas tinha um namorado.”
- “E ele não dizia nada por dela andar assim… Por aí?”
- “Ele também andava”
Ricardo ficou espantado com o que ouvia. Os seus olhos transmitiam pavor.
Aproximei-me dele…