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Nas Nuvens

Meu corpo está moído. Escalei ontem o monte Olimpo, no conjunto Marumbi, no coração da Serra do Mar. Sozinho. Mais de um quilômetro e meio acima do nível do mar, logo ali embaixo. Havia me esquecido de quanto esforço é necessário para se chegar ao cume. Quanto! Iniciei a escalada às 6:30 da manhã. Cheguei ao cume exatamente às 10:05. Uma nuvem fechava o mundo a minha volta. Minha camisa branca estava encharcada, transparente, deixando ver meu corpo por detrás da malha. Fazia muito frio. Escrevi uma mensagem dedicando a escalada à Claudia e guardei-a na caixa de registros que está fixada a uma pedra por parafusos enferrujados. Peguei o telefone celular e liguei para Clau, que estava na Pequena cidade de Vera Cruz, no interior do Estado de São Paulo. Comuniquei minha chegada e contei que as nuvens que me enrodilhavam me vestiam de frio. Emocionante falar com ela lá de cima, sozinho, tão longe de todos. Em cinco minutos o mundo se abriu. Tão longe de todos, tão perto de tudo. Liguei para Clau novamente, para comunicar que as cortinas estavam abertas. Dava para ver toda a cidade de Curitiba e sua região metropolitana, lá longe. Os mananciais de Piraquara e aquela represa que não me lembro o nome. Toda a Serra do Mar, até onde a vista alcançava. Morretes inteira. O Oceano Atlântico. O trem, lá embaixo, tão pequenino, parecendo uma minhoca. Havia nuvens acima de minha cabeça, algumas passando por mim e fechando o mundo para logo depois reabri-lo, outras abaixo de mim. Um avião pequeno passou logo acima de minha cabeça. Outros dois, maiores, os vi decolando, lá em São José dos Pinhais, e chegando muito rápido perto de mim, voando alto na direção do nascente. Dava para escutar o vento rugindo por entre as imensas montanhas. Emocionante.
Passei quase duas horas no cume, até as nuvens pintarem todo o ar de branco novamente. Antes que a bela vista se descortinasse mais uma vez, convidando-me a não sair nunca mais lá de cima, resolvi descer. Faltavam quinze minutos para o meio-dia. Durante a descida, não poucas vezes me perguntei que diabos estava fazendo ali. Ora me encontrava agarrado em pinos de metal fixados em paredes quase totalmente verticais, sabe-se lá a quantos metros de altura, com o abismo às minhas costas. Ora me encontrava pendurado por correntes em paredes de pedra extremamente úmidas, parecendo sabão, regadas por um córrego. Uma queda, ali, me parecia um convite tenebroso. Outras vezes confiava minha vida a cordas muito velhas, que emitiam um rangido nada confiável. Outras vezes, ainda, me via me segurando em uma rocha, com um abismo ao meu lado, sem proteção nenhuma que não a divina. O que é que eu estou fazendo aqui? Mais trezentos metros para baixo. O que é que eu estou fazendo aqui? Mais trezentos metros. Nas duas vezes em que tive de cruzar a cachoeira dos Marumbinistas, bebi, na concha das mãos, muita água, para repor as águas que deixaram meu corpo, se evaporando para ir juntar mais nuvens lá em cima. Água fresca. Deliciosa.
Enfim, cheguei à estação Marumbi, lá embaixo, no chão, perto das casas, longe do céu, a casa das nuvens. Eram 2:30 da tarde. Tive tempo de preparar alguma coisa para comer e desmontar minha barraca, na qual eu passara a noite anterior descansando para a ascensão, debaixo de uma chuva prazenteira que havia escondido o eclipse da lua. O trem chegou quase às 6:00 da tarde. A volta foi bonita, com pôr-do-sol, nuvens coloridas e lua amarela, do tamanho de um medalhão gigante, iluminando o céu da cidade, já de noite, iluminada com as luzes de seus postes.
Cheguei em casa às 8:00 da noite. Claudinha havia pedido para que eu ligasse, sabia que a descida era perigosa... Liguei. Ela estava na missa. Ligou-me quando voltou. Disse que chegaria em Curitiba às 6:00 da manhã. Combinamos que eu iria apanhá-la na estação rodoviária.
Tomei um banho maravilhoso. Quente. Daqueles que, quando deixamos a água bater na nuca, pensamos em uma chuva grande. Comi. Queijo branco com goiabada e um café bem forte. Uvas de sobremesa. E bebi um arak comemorativo.
Meus músculos estavam doloridos. Meu corpo estava coberto de picadas de mosquitos. Estava com um pouco de dor de cabeça, devido ao excesso de esforço. Estava cansado e com sono, já eram 11:00 da noite, e eu teria de me levantar às 5:30 da manhã, para ir buscar a Clau na rodoviária.
Não havia problema. Quando ela chegasse, eu estaria de volta nas nuvens.
 

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terça-feira, maio 17, 2011 - 19:06

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Maurício Decker

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