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O Sagrado e o Profano
Por dia de S. Jorge, a guerra e o amor ao infiel… qual a melhor abordagem? … o amor!...
Contam-me histórias de uma princesa moura de além Mondego. Alguém, cujo rosto, ninguém conseguiu ver... Um enigma, uma construção de nuvens...
Intrigado, eu corri as planuras conimbricenses e abeirei-me do castelo de sua morada.
Transpirado o burel sob a lóriga de ferro, no freio de intensa cavalgada, acerquei-me furtivamente da fortaleza dos filhos do Islão. Entardecer de veludo com imensa luz de Lua cheia, a encavalitar-se no firmamento. Estrelas pendentes da manta celestial, piscam os olhos aos atentos nas maravilhas de cima.
E lá no alto, quase a tocar o céu, na mais alta das torres, na ameia entre dois merlões em vénia, move-se aquela sombra azulada, rodeada por uma pequena áurea branca, sob fundo, outra vez azul, mas escuro... Vejo alguns contornos, algumas curvas, todavia, de todo, não adianto uma fisionomia, um corpo concreto... A princesa moura! Esforço a vista, mas não consigo mais do que captar uma imagem bem definida, mas também muito esbatida...
Encantado... é meu desígnio seguir encantado com os feitos e conhecimentos de vida... e com este mistério da noite das mil estrelas... Gosto da essência que lhe reconheço. Com ela perco-me nos campos de amor do inimigo, com ela construo um ideal de vida. Vida debatida, vida escalpelizada...
Cresci assim, a criar o consolo dentro de muita solidão e angústia. Serei normal? Serei, dentro da minha normalidade! Mas, se existe este novo reino, mesmo gentio, é porque há espaço a explorar no ser ou porque o ser está em constante desenvolvimento de novos espaços, ou pelos dois… Sei que a vontade de ir mais além é como um cavalo selvagem, sem rédea e sob orientação dos odores que o vento carrega…
Se a sarracena me acolher e tiver fé que é preferível um singular momento de amor ou uma dor de falta após forte presença a uma existência pacata e sem riscos, então estará imbuída da magia que me cativa. Se ela concordar que nada deve esperar de mim, mas sentir que tudo o que eu lhe possa dar – nem que seja efémera sombra – é água no deserto, então entrará no mesmo batelão em que me mantenho à superfície. Se a moura admitir que tanto o nada como o tudo podem acontecer, sem exigências ou futuras condenações ou expectativas, então vive no meu mundo, sem deus específico, benevolente ou autoritário!
Se em corpo encontrarei o balanço físico de tudo isto?... não sei. E isso importa? Sim, importa, se der ouvidos aos esporos que instigam a minha masculinidade; não, são irrelevantes se me mantiver um espectro, construído apenas de sentimento e pensamento.
E como separar em absoluto uma coisa e outra? Só com grande disciplina do conjunto sistémico do ser... ou... simplesmente nem pensar nisso e deixar que deus ou deuses decidam.
Sou mais "cão" do que a moura. Esta infidelidade religiosa esmaga-me os ossos e rasga-me a carne. Sou homem, ou melhor, sou ser instintivo da mãe natureza... Sou predicado e sujeito... procuro complemento... imaterial ou material; real ou visionário... Sei lá! Nem eu me conheço cabalmente... O melhor será, provavelmente reagir a cada momento a cada novo estímulo, sem pensar demasiado. Pensarei depois. Agora, sinto. Deixo-me à mercê dos meus tentáculos sensoriais....deixo-me submerso nas águas da emoção... afogo-me... sem me debater. Não morrerei disto, ninguém morrerá...
Como dizem uns certos senhores da música: de dia, pergunto-me; de noite, reflicto... assim seja, com a condicionante temporal alargada: uns dias, debato-me em dúvidas, noutros, apaziguo-me em respostas. Boas ou más, libertarão a minha ansiedade de solução.
E dEUS perto, sem dar um empurrão, para o topo da torre ou para o chão...
Se sofro é porque tenho a alegria de ter algo por qual sofrer; se me alegro é porque compreendo em mim algo pelo qual sentir dor... porque amo e partilho a agrura de quem amo. E quem amo? Um só ser? Apenas a mim? Uma comunidade? Todos, indiscriminadamente? Serei eu o mais insensível e abstracto respiro de vida à face da terra? Serei eu dEUS, neste mundo do Homem? Não! Verto lágrimas, esboço sorrisos, por aqueles que, de conhecimento, directo ou impessoal, tocam as franjas do meu coração sem corpo. Um coração que é um barómetro das experiências recebidas. E o corpo sem coração?...
Moura encantada, dos campos góticos sob fogo da espada árabe, dos campos da reconquista da pessoa, se me quiseres como uma soma de momentos sem limite, sem infinito, sem balizas temporais, assim me terás… como eu te espero ter. Sou muito simples, muito directo: o mundo que tenho hoje, não pretendo cerceá-lo. Admito engrandece-lo, haja decisão e naturalidade para o fazer.
Desce da torre decidida ou entrega-me a decisão de te raptar…
Andarilhus “(ª0ª)”
XXIII : IV : MMVII
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Comentários
Re: O Sagrado e o Profano
Texto bem escrito em dom da palavra!
:-)
Re: O Sagrado e o Profano
Um conto que se transforma numa "clara divagação filosófica". Para ser lido com atenção.
Gostei muito.
:-)