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Recordo

Recordo o momento em que te conheci.

Recordo as tuas mãos, tão imensamente repletas de vários nadas, que a vida te impregnara como uma fatalidade de destino pré-escrito, impossíveis de evitar, incapazes de uma intervenção tua que o pudesse alterar;

Recordo o teu olhar, baço, triste e conformado com um futuro que não escolheras, mas que aceitavas como incontornavelmente definitivo;

Recordo a lenta e progressiva descoberta das tuas nódoas negras, das cicatrizes nos sentimentos, das feridas abertas na alma, que pensavas como eternas, impossíveis de curar;

Recordo a tua normal convivência com a dor, que assumias como um acto tão natural como o respirar, por ela fazer parte da tua existência desde que te conhecias como mulher;

Recordo a tua irreverência defensiva, de menina assustada que tinha no ataque, a forma que a vida te ensinara como defesa antecipada, contra hipotéticos males futuros que aprenderas a ter como certos;

Recordo a tua estranheza com a dádiva simples, com o carinho gratuito, com o interesse desinteressado da minha preocupação por ti;

Recordo…(te)

Recordo horas a fio de conversa, em que bebendo as palavras um do outro com a sede de uma vida inteira de seca, mergulhávamos fundo em cada um de nós e nos esquecíamos das horas, porque o tempo não servia para marcar o que decorria ou faltava, mas apenas para medir a ausência da nossa coexistência;

E recordo que com o tempo foste lentamente mudando. Não ao sabor das estações que dentro de ti era quase sempre Outono, com alguns dias de inverno pesado e frio. Mas, ao sabor do saborear dos pequenos quês que a vida te foi proporcionando e que tu foste como que aprendendo a apreciar;

Recordo horas inteiras que passavas aninhada no meu colo, em silêncio, serena, respirando com a suavidade das ondas numa maré baixa, permitindo que o fluir do ar te limpasse a mente e te aliviasse das mazelas marcadas a fogo na alma;

Naquelas horas… naquelas horas em que tudo fazia sentido, por vezes perguntavas-me o porquê de te sentires tão bem, assim, com a simplicidade de um momento sem nada de transcendentemente arrebatador, sem nenhuns sentimentos maiores, ou algo que te retirasse a respiração e desvairasse os sentidos… apenas assim, na simplicidade de um colo, sem a grandeza dos gestos ou sequer das palavras certas… apenas assim…

E quando eu te respondia que assim era, por ser nas coisas mais simples, nos momentos menos complexos, nos gestos e palavras mais “básicas” que verdadeiramente conseguíamos encontrar a “essência da felicidade”, tu simplesmente sorrias! Colocavas nos teus lábios finos, esse sorriso raro de vislumbrar em ti. Sorriso verdadeiro, livre dos pesos da vida, com a inocência da criança que sempre repreendeste no mais íntimo de ti por teres crescido demasiado depressa e… fechando novamente os olhos, voltavas a cara para o meu peito deitando a cabeça no meu braço e voltavas a respirar ao ritmo das ondas na maré baixa, ao compasso dos afagos dos meus dedos no teu cabelo;

E recordo que com o tempo, algumas feridas abertas se foram fechando, algumas cicatrizes tornando-se meras marcas de pele e o teu olhar… o teu olhar foi ganhando um contorno diferente, um contorno proporcionado pelo brilho que nele se foi instalando, pelo acumular de luz interior que os teus sentires foram lentamente, ao longo do tempo permitindo acontecer e que a partir de determinada altura e em determinadas situações se tornava praticamente impossível de conter e que conjugado com aquele sorriso… te conferiam uma beleza única;

E agora que te penso assim, recordo que nunca te disse que esse teu sorriso simples, esse teu sorriso inocente de menina, era como um sol para mim. Que sempre que me era permitido vislumbrá-lo, o meu dia ganhava outra luz e os meus sentires outras cores.

E agora que o recordo, sinto o quanto gostaria de to ter dito.

E agora que o recordo, só espero, que da próxima vez que a vida se encarregar de cruzar as nossas existências, que pelo menos dessa vez…

…eu me Recorde, de to dizer!

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quinta-feira, maio 29, 2008 - 17:44

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FPaixao

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Comentários

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Re: Recordo

Muito bom amigo.

Ao nível do que já nos habituaste:)

Um abraço.

imagem de Andarilhus

Re: Recordo

Há quem recorde para não esquecer e há quem recorde para sempre lembrar... a diferença? Está no desejo de manter acesa a luz da memória passada no presente e o presente ser companheiro do futuro e de tudo o que está para além deste. E assim seja.
Um abraço

imagem de Anonymous

Re: Recordo

Recordar..é viver duas vezes (dizem!)

imagem de MariaSousa

Re: Recordo

Gostei muito deste texto.
Tanto que me fez lembrar um antigo poema meu, que deixo aqui.

Coisas simples...

A lareira acesa,
Ilumina a sala
Pintando-a numa suave cor.
A música que está a tocar
Só fala de amor.

Recostada no sofá
Fecho os olhos,
Entrelaço os meus dedos nos teus,
E sinto que maior paz,
Não há.

Encosto a cabeça no teu ombro,
Não para dormir,
Mas para te sentir
Ainda mais perto de mim.

Em silêncio, abraças-me
E o teu calor
É muito mais que desejo
Porque neste beijo
Encontro o sabor do amor.

Digo como te amo
E sinto-te a sorrir,
Feliz como um petiz,
E eu sinto a certeza
De não mais
Querer partir.

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