ÚLTIMO FÔLEGO DO INVERNO NA LAREIRA DA POESIA

A rua passa aos pés
de uma janela aberta às costas da quimera.

Leva o passeio como alforge desdito.
A boca parte como cântaro de silêncios.
Os olhos vão sem rito pelo ar cego das curvas das horas.

A lua em derrocada
sobre a sua própria barriga inchada de marés
que se alimentam de esquinas nas tetas das rochas.

Línguas como tochas jorram lume
numa caverna de insónias em desnorte.
A morte como noiva de um casulo de lágrimas. 

A alma alquebrada
por detrás de uma fria cortina.
Amotinada num remoinho de mãos
que esbofeteiam os lábios de um papel em branco.

Palavras como teia
tecida de ramos anedotizados,
Amputados por trovões de solidão
de uma árvore derrotada por uma pena sem tinta.

Gotas de amor aos pares separados
como morcegos que bailam descalços
nos candeeiros debruçados ao diz-que-diz-que.

A fricção do beijo como mortalha de atrito
que embrulha a saliva dos amantes ao som do Outono.

De voz vendada onde as folhas caem
sem nervo pelo amarelo findo do tempo,
vai o serão insosso como espantalho sem osso.
Empalhado de agulhas numa ceara de aparências.

O céu esconde as estrelas
como se fossem rugas na sua cara.
Desmembrada pela sementeira da tempestade.

A noite acena com nuvens ébrias de chuva.
O inverno entra em cena no parapeito do corpo.
Como último fôlego do Inverno na lareira da poesia.

 

 

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Monday, October 24, 2011 - 23:52

Poesia :

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