Concreto Bruto

Tão poucos são os jardins,
tão poucas são as estrelas
e são tantas as ruas estreitas,
as vidas estreitas,
que nem sempre se cobre a cicatriz
de quem vive por um triz.
Na ponta de uma escada sem fim
uma moça de poucos dentes
e exagerado vermelho batom
chora a banalidade de outro abandono
e a vulgaridade da miséria de sempre.
Um jovem de pele manchada,
de dedos tatuados e cabelos alourados
ajeita o capuz de tecido ordinário.
Outros iguais repetem frases feitas
e lugares-comuns num arremedo de música,
enquanto sonham periféricas soluções,
mágicas poções e redentoras rebeliões.
Num canto da viela que sobe,
um homem traja um terno indevido.
Ao lado, uma mulher de longos cabelos
acompanha-lhe na melopeia dos versículos
que não leram, tampouco entenderam.
Alguém os insulta. Outrem os reverencia.
Indiferentes, seguem resolutos esse caminho
de Calvários compartilhados.
O trem de Morato apita na curva,
mas não espanta os "nóias".
Carrega marmitas
e os homens
que as consomem.
Carrega bolsas, meias-calças
e uns sonhos que sobram.
Anda e sacoleja no trilho de sempre.
Na vida de sempre.
O lúcido bêbado louco
proclama o Fim dos Tempos
e a inutilidade do Poeta Simbolista,
pois eis que os Anjos lhe contaram
que o esplendor de uma samambaia
não mais viria despejar a verde esperança
na árida nudez
das paredes desiludidas.
Há tanto concreto bruto
que nem o som alto dos velhos carros
consegue abafar os ruídos
dessa pegajosa miséria marrom.

Submited by

Sunday, March 3, 2013 - 11:33

Poesia :

No votes yet

fabiovillela

fabiovillela's picture
Offline
Title: Moderador Poesia
Last seen: 8 years 20 weeks ago
Joined: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Add comment

Login to post comments

other contents of fabiovillela

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Prosas/Others Voltaire e o Iluminismo francês - Parte V - Cândido (o Otimismo) 0 4.262 09/20/2014 - 21:37 Portuguese
Poesia/Love Poema do amor exagerado 0 2.336 09/18/2014 - 01:20 Portuguese
Prosas/Others Voltaire e o Iluminismo francês - Parte IV - Ensaio sobre os Costumes 0 2.894 09/15/2014 - 14:15 Portuguese
Poesia/Love Reflexos 0 1.145 09/14/2014 - 15:56 Portuguese
Prosas/Others Voltaire e o Iluminismo francês - Parte III - Carta sobre os Ingleses 0 4.480 09/12/2014 - 14:58 Portuguese
Poesia/Love Amanhecer 0 2.934 09/11/2014 - 00:30 Portuguese
Poesia/General O Passarinho 0 1.177 09/09/2014 - 22:16 Portuguese
Poesia/Love Areia 0 2.633 09/08/2014 - 13:30 Portuguese
Fotos/Art Filósofos Modernos e Contemporâneos (Pré Lançamento) 0 10.405 09/07/2014 - 15:54 Portuguese
Poesia/General O Dia da Independência - 7 de Setembro (republicado) 1 2.997 09/07/2014 - 14:11 Portuguese
Prosas/Others Voltaire e o Iluminismo Francês - Parte II - as Obras 0 3.842 09/06/2014 - 15:35 Portuguese
Fotos/Art Adaptação de OS LUSÍADAS ao Português atual 0 5.841 09/06/2014 - 00:46 Portuguese
Fotos/Art Deusas e Deuses Hindus - Resumo Sintético 0 6.648 09/04/2014 - 23:19 Portuguese
Fotos/Art Livro Solo - Onomástico das Personagens e Lugares Bíblicos 0 5.102 09/04/2014 - 23:06 Portuguese
Poesia/Love O Verso 0 1.790 09/02/2014 - 22:08 Portuguese
Prosas/Others Voltaire e o Iluminismo francês - Parte I - Preâmbulo e notas biográficas 0 4.693 09/01/2014 - 20:09 Portuguese
Poesia/Love Odisseia 0 2.141 08/30/2014 - 20:06 Portuguese
Poesia/General Basta-me 0 2.444 08/29/2014 - 22:41 Portuguese
Prosas/Others Spinoza e o Panteísmo - Parte XIV - Considerações Finais 0 3.665 08/28/2014 - 21:53 Portuguese
Prosas/Others Spinoza e o Panteísmo - Parte XIII - O Contrato Social 0 4.614 08/28/2014 - 18:22 Portuguese
Prosas/Others Spinoza e o Panteísmo - Parte XIII - O Tratado Politico 0 2.801 08/26/2014 - 15:45 Portuguese
Poesia/Sadness Menino de Rua 1 2.006 08/26/2014 - 02:39 Portuguese
Poesia/Dedicated Mestre Vitalino 0 2.654 08/25/2014 - 22:10 Portuguese
Prosas/Others Spinoza e o Panteísmo - Parte XII - A Imortalidade e a Religião 0 2.448 08/22/2014 - 14:41 Portuguese
Prosas/Others Spinoza e o Panteísmo - Parte XII - A Imortalidade e a Religião 0 4.793 08/22/2014 - 14:41 Portuguese