Era o que me faltava! - 2
.
(continuação)
Isto era o que me faltava... Esta relação espúria, amarga e doce, que é sexo e não o é, para mim, que gosto é de amor de homem.
Bem insistiu o meu pai para que eu emigrasse para junto dele, quando a minha mãe fugiu de casa, por que razão não faz ao caso, mas eu era sossegada, atinada e estudiosa e estava longe de ambos. Dezassete anos e quase a entrar na Faculdade. Eu teria ido talvez, se o meu viver não fosse já tão independente. “Não interessam os ses, que o que não sucedeu não sucedeu”. O meu pai mandava-me suficiente mesada. Ir ter com ele implicava mudar de vida, radicalmente. E a minha mãe pouca falta me fazia. Antes sozinha e livre.
Tal como era previsível, o meu pai não demorou muito a arranjar outra mulher, e depois mais um filho. E quando este nasceu, teimou que eu deveria ir para ao pé dele na Venezuela, que a vida estava má e a família crescera tornando-se-lhe oneroso estar a sustentar-me “como uma princesa” podendo eu estar a ajudá-lo. Queixumes da minha madrasta, por certo. Resisti. Dois meses depois cortou-me a mensalidade, sem sequer aviso.
Estava eu então com vinte e um anos e entrara de férias, depois de ter concluído o segundo ano de Direito em Coimbra. Não tinha economias nenhumas, que enquanto as minhas colegas se divertiam eu gastava em livros tudo o que podia, e nem era muito, mas gastava e não poupava. Durante um mês passei alguma fome, porque tinha vergonha de pedir dinheiro emprestado. Preferi desfazer-me do que não me era indispensável. Procurei trabalho. Má altura. Só encontrei lugares de vendedora à comissão, porta a porta, livros, time sharing, produtos de beleza, publicidade, e isso, conhecia eu casos de algumas colegas, era uma exploração, e nem eu tinha atitude e conversa para exercer como profissão.
Por fim apareceu-me um anúncio para colaboradora, melhor dizendo, secretária, escriturária, telefonista, recepcionista, enfim, faz-tudo, no cartório de um advogado. Menos que o ordenado mínimo, mas agarrei a oportunidade com ambas as mãos e cheia de humildade.
O Dr. Osório era jovem, esperto, e a clientela, escassa embora, era variada e pouco escrupulosa mas exigente. Desisti de estudar, que o dinheiro só me dava para viver com bastante modéstia e o trabalho absorvia-me todo o tempo e disposição. Quase todos os processos que surgiam lá no escritório davam mais que fazer do que honorários; questões de reles dívidas, divórcios de gente modesta, partilhas litigiosas de pequenas heranças, acções de despejo, e coisas assim, contractos de negócios de lana-caprina, mas ao fim de dois anos eu interiorizara a noção de que estava a ajudar o Dr. Osório a fazer nome, o que é demorado, e de algum modo sentia-me compensada com a diversidade prática do meu indirecto contacto com a carreira forense. Talvez para obviar a reivindicações salariais — ele nunca me confessou isso — a cada passo tinha agrados para comigo. Umas flores, um perfume carote, um jantar agradável antes de um dos serões a que me via obrigada em ocasiões de mais movimento.
Qualquer coincidência
com factos e pessoas da vida real
é precisamente coincidência.
Escrito de acordo com a Antiga Ortografia
.
Submited by
Prosas :
- Login to post comments
- 1608 reads
other contents of Nuno Lago
Topic | Title | Replies | Views | Last Post | Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Poetrix | Alma de papel | 4 | 3.664 | 02/20/2018 - 18:20 | Portuguese | |
Poesia/Comedy | Sério, estás pudibunda? | 1 | 3.111 | 06/17/2014 - 18:31 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Sedução? | 1 | 3.044 | 06/13/2014 - 23:00 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Sim, serei feliz... por que não? | 1 | 3.597 | 06/13/2014 - 22:49 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Indecisão... | 1 | 2.631 | 06/13/2014 - 22:41 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Bah!... (reedição) | 1 | 2.997 | 06/13/2014 - 22:32 | Portuguese | |
Prosas/Romance | OS GÉMEOS - 36 | 0 | 4.316 | 06/07/2013 - 14:43 | Portuguese | |
Prosas/Romance | OS GÉMEOS - 35 | 0 | 3.061 | 06/06/2013 - 11:24 | Portuguese | |
Prosas/Romance | OS GÉMEOS - 34 | 0 | 2.589 | 06/03/2013 - 11:10 | Portuguese | |
Poesia/Love | Sabias?… | 0 | 3.135 | 06/01/2013 - 11:33 | Portuguese | |
Poesia/Dedicated | Não, não mudarei… | 0 | 3.177 | 06/01/2013 - 11:27 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | LINGERIE | 0 | 3.484 | 06/01/2013 - 11:21 | Portuguese | |
Prosas/Romance | OS GÉMEOS - 33 | 0 | 2.890 | 05/31/2013 - 15:34 | Portuguese | |
Prosas/Romance | OS GÉMEOS - 32 | 0 | 3.383 | 05/29/2013 - 11:05 | Portuguese | |
Prosas/Contos | SEGREDO - Conclusão | 0 | 3.406 | 05/28/2013 - 14:43 | Portuguese | |
Prosas/Romance | OS GÉMEOS - 31 | 0 | 3.074 | 05/27/2013 - 10:55 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | Gosto dos teus encaracolados | 0 | 2.786 | 05/25/2013 - 17:16 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | DOÇURAS | 0 | 3.396 | 05/25/2013 - 17:04 | Portuguese | |
Poesia/Fantasy | Vim de outro Mundo | 0 | 3.570 | 05/25/2013 - 16:57 | Portuguese | |
Prosas/Contos | Segredo - 1 | 3 | 3.231 | 05/24/2013 - 22:23 | Portuguese | |
Prosas/Romance | OS GÉMEOS - 30 | 0 | 4.102 | 05/24/2013 - 11:18 | Portuguese | |
Prosas/Contos | SEGREDO - 4 | 0 | 3.696 | 05/23/2013 - 11:11 | Portuguese | |
Prosas/Romance | OS GÉMEOS - 29 | 0 | 2.632 | 05/22/2013 - 11:04 | Portuguese | |
Prosas/Contos | SEGREDO - 3 | 0 | 2.933 | 05/21/2013 - 08:19 | Portuguese | |
Prosas/Romance | OS GÉMEOS - 28 | 0 | 3.052 | 05/20/2013 - 11:14 | Portuguese |
Add comment