Os ninguéns (Eduardo Galeano)

As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não choveu ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

Eduardo Galeano (1940- ), escritor e jornalista uruguaio.

Submited by

Monday, September 16, 2013 - 10:15

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

AjAraujo's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 6 years 20 weeks ago
Joined: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Login to post comments

other contents of AjAraujo

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Dedicated Auto de Natal 2 1.964 12/16/2009 - 03:43 Portuguese
Poesia/Meditation Natal: A paz do Menino Deus! 2 3.176 12/13/2009 - 12:32 Portuguese
Poesia/Aphorism Uma crônica de Natal 3 2.825 11/26/2009 - 04:00 Portuguese
Poesia/Dedicated Natal: uma prece 1 2.372 11/24/2009 - 12:28 Portuguese
Poesia/Dedicated Arcas de Natal 3 3.269 11/20/2009 - 04:02 Portuguese
Poesia/Meditation Queria apenas falar de um Natal... 3 3.362 11/15/2009 - 21:54 Portuguese