Rousseau e o Romantismo - Parte XIV - A transição para o Estado de Civilização
O câmbio entre esses dois estágios da marcha evolutiva da sociedade, aconteceu durante o período que ficou conhecido como o da “guerra de todos contra todos” e foi motivado como uma resposta à usurpação, à violência e à opressão que resultaram da instalação do conceito de “propriedade privada”. Numa passagem conhecida, Rousseau diz que “se quem construiu a primeira cerca tivesse consciência das consequências daquele seu ato, provavelmente não o teria cometido”.
Junto com a ideia de que “algo era seu”, desabrochou na alma humana a sua face mais suja e perversa e a única Lei que passou a vigorar foi a “do mais forte”, para horror e desespero dos mais frágeis que se viram, então, espoliados, escravizados e privados de sua antiga “liberdade natural”, sem a compensação de qualquer outro Direito adquirido. Processo semelhante, por exemplo, ao ocorrido no Brasil com os colonizadores portugueses e os indígenas nativos.
A completa ausência de Instituições legais, governamentais e civis favorecia a exploração descarada e malvada de uns sobre outros, bem como a funesta contrapartida das retaliações sangrentas, num terrível estado de total beligerância.
A inexistência de cidadania e a ausência de regras mínimas perduraram até que o desenvolvimento da Razão humana proporcionasse aos indivíduos a sabedoria de que deveriam organizar-se para que a vida deixasse de ser aquela loteria cruel.
Que deveriam, necessariamente, criar instrumentos e poderes que fossem capazes de organizar a vida da comunidade, evitando-se, tanto quanto possível, as desigualdades, as injustiças e a violência generalizada. Foi, então, que veio à luz o “Contrato Social1”.
Um processo de transição que Rousseau descreveu da seguinte maneira:
“O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui”.
Ganharam os frágeis a oportunidade de evoluírem e se tornarem fortes graças à proteção contra os abusos dos poderosos; e, estes, viram-se livres das vinganças daqueles e passaram a ter asseguradas as suas posses (supostamente) legítimas.
Ganhou, pois, a comunidade em geral, na medida em que haveria maior desenvolvimento intelectual e emocional para o individual e mais prosperidade para o coletivo.
Porém, abriu-se o precedente para uma longa série de violações da liberdade, da integridade e da igualdade, pois os signatários do “Contrato Social” eram os mesmos homens que ainda há pouco se matavam sem a menor cerimônia.
É certo que seus instintos predatórios tinham sido abrandados com o progresso do raciocínio, mas, ainda assim, tais comportamentos e intenções permaneceram em suas mentes, sempre prontos a agirem. Todavia, o Pacto ou Contrato Social mostrou-se irrevogável, já que o avanço mental não podia ser retroagido. E, graças a ele, novas circunstâncias passaram a reger a vida da humanidade.
Segundo Rousseau, dentre outras vicissitudes, a principal ocorrência a ele associada foi o já citado desenvolvimento na consciência, na afetividade e na extensão dos desejos que os indivíduos e a coletividade passaram a ter.
Deixou-se de ter consciência apenas de si para tê-la do conjunto, já que, então, o homem passou a reconhecer o outro como seu semelhante.
E foi esse reconhecimento, tratado como o desabrochar do “Pensamento Racional e de caráter moralizador”, o fruto mais saboroso daquele congraçamento, haja vista, que ele demonstra com clareza o acréscimo havido na capacidade de compreender, de imaginar, de sentir que se adquiriu.
Ao ter a capacidade de se comunicar, pôde o individuo pedir e prestar o auxílio que cada situação demandava e esse embrião do sentimento de Solidariedade marcou em definitivo a hegemonia humana no planeta. E como Causa e Efeito, o avanço no raciocínio com a consequente melhora na capacidade de se comunicar, permitiu a continuidade do próprio “Contrato Social”, já que este seria inviável se persistisse o egocentrismo anterior.
Hoje, seria inimaginável outro modo de vida, embora as Sociedades sejam repletas de iniquidades, de sórdidas intenções e de atos espúrios. Vê-se, por exemplo, que até as comunidades indígenas mais remotas adotam algum tipo de “Contrato” para gerir suas convivências, numa prova inconteste de que apesar das diferenças tecnológicas, de hábitos e de propósitos a organização social é irreversível. Para o bem e para o mal.
No próximo capítulo falaremos de como o homem é ensinado a viver nesse contexto e para isso analisaremos a Pedagogia rousseauniana exposta em sua célebre obra “Emilio ou da Educação”.
Nota do Autor1 – Adiante, dedicaremos um capítulo inteiro ao tema “Contrato Social” e acrescentaremos mais um apêndice sobre a Filosofia “Contratualista”, discorrendo sobre sua origem, natureza etc.
Lettré, l´art et la culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.
Submited by
Prosas :
- Login to post comments
- 2555 reads
other contents of fabiovillela
Topic | Title | Replies | Views | Last Post | Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Sadness | A Canção de Alepo | 0 | 6.557 | 10/01/2016 - 21:17 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | Nada | 0 | 5.698 | 07/07/2016 - 15:34 | Portuguese | |
Poesia/Love | As Manhãs | 0 | 4.960 | 07/02/2016 - 13:49 | Portuguese | |
Poesia/General | A Ave de Arribação | 0 | 5.633 | 06/20/2016 - 17:10 | Portuguese | |
Poesia/Love | BETH e a REVOLUÇÃO DE VERDADE | 0 | 6.519 | 06/06/2016 - 18:30 | Portuguese | |
Prosas/Others | A Dialética | 0 | 10.985 | 04/19/2016 - 20:44 | Portuguese | |
Poesia/Disillusion | OS FINS | 0 | 6.055 | 04/17/2016 - 11:28 | Portuguese | |
Poesia/Dedicated | O Camareiro | 0 | 7.109 | 03/16/2016 - 21:28 | Portuguese | |
Poesia/Love | O Fim | 1 | 5.426 | 03/04/2016 - 21:54 | Portuguese | |
Poesia/Love | Rio, de 451 Janeiros | 1 | 10.410 | 03/04/2016 - 21:19 | Portuguese | |
Prosas/Others | Rostos e Livros | 0 | 7.602 | 02/18/2016 - 19:14 | Portuguese | |
Poesia/Love | A Nova Enseada | 0 | 5.692 | 02/17/2016 - 14:52 | Portuguese | |
Poesia/Love | O Voo de Papillon | 0 | 5.196 | 02/02/2016 - 17:43 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | O Avião | 0 | 5.533 | 01/24/2016 - 15:25 | Portuguese | |
Poesia/Love | Amores e Realejos | 0 | 6.908 | 01/23/2016 - 15:38 | Portuguese | |
Poesia/Dedicated | Os Lusos Poetas | 0 | 5.675 | 01/17/2016 - 20:16 | Portuguese | |
Poesia/Love | O Voo | 0 | 5.320 | 01/08/2016 - 17:53 | Portuguese | |
Prosas/Others | Schopenhauer e o Pessimismo Filosófico | 0 | 8.863 | 01/07/2016 - 19:31 | Portuguese | |
Poesia/Love | Revellion em Copacabana | 0 | 5.154 | 12/31/2015 - 14:19 | Portuguese | |
Poesia/General | Porque é Natal, sejamos Quixotes | 0 | 5.471 | 12/23/2015 - 17:07 | Portuguese | |
Poesia/General | A Cena | 0 | 6.013 | 12/21/2015 - 12:55 | Portuguese | |
Prosas/Others | Jihadismo: contra os Muçulmanos e contra o Ocidente. | 0 | 9.543 | 12/20/2015 - 18:17 | Portuguese | |
Poesia/Love | Os Vazios | 0 | 8.185 | 12/18/2015 - 19:59 | Portuguese | |
Prosas/Others | O impeachment e a Impopularidade Carta aberta ao Senhor Deputado Ivan Valente – Psol. | 0 | 6.495 | 12/15/2015 - 13:59 | Portuguese | |
Poesia/Love | A Hora | 0 | 8.109 | 12/12/2015 - 15:54 | Portuguese |
Add comment