Nos olhos negros daquela mulher
Poderia se dizer dessa forma: foi nos olhos negros daquela mulher que ele se perdeu. Não porque quisesse, mas porque não resistiu. Ele já tinha ouvido falar que a tentação é como uma goteira e a santificação é o cuidado para não se deixar molhar. Mas, por descuido ou mesmo por negligência ele se deixou levar pelo encanto daqueles olhos. Ela, na verdade, fazia um jogo com ele. Ela nunca o havia amado, mas sempre o olhava com um olhar sedutor e jogava um charme que o encantava. Sabia que não devia deixar se levar pelos encantos dela e que tudo aquilo seria passageiro.
Era um dia como outro qualquer, a não ser pela diferença em que notou o brilho do sol. Era de um vermelho tosco e uma solidão perpassava o seu coração. Tinha uma vida boa. Uma família maravilhosa, um bom emprego, amigos, enfim, tinha uma vida que poderia ser considerada como feliz. Mas, de alguma forma ele não se sentia assim. Caminhava lentamente pelas ruas em direção ao seu trabalho e não parava de pensar nela. Pensava na sua família. Não poderia jogar tudo fora.
O desejo. Ele era tão forte. Todas suas concepções vieram por água abaixo. Vinha em sua memória sempre o diálogo de Deus com Caim. – Olha, o pecado jaz à porta, mas cabe a você dominá-lo. Que porcaria era isso! Tudo é tão difícil. Lembrava, também, e com muito mais ênfase de Sansão e sua fraqueza ao ceder aos encantos de Dalila. Os olhos! Ah! Malditos olhos! Sim, malditos. Se não fora o seu olhar ele não estaria nesta situação. Porque foi dar créditos aqueles olhos? Porque deixou que seus olhos a contemplassem. A concupiscência dos olhos. Lembrava-se do que dizia o Apóstolo João enfaticamente. Não podia deixar isso acontecer. Tinha muita coisa em jogo.
Tinha um destaque na igreja. Seus ensinos eram profícuos e cheios de sabedoria. E as pessoas gostavam muito. Mas, em seu coração crescia dúvidas e incertezas. Queria tirar aquela angústia que arraigava seu coração. Chorava nas madrugadas e queria apenas sentir-se livre. Uma luta era travada em seu ego. Deitava-se para dormir e olhava a esposa ali adormecida enquanto os seus olhos não conseguiam conciliar o sono. Volta e meia aqueles olhos viam em sua mente e o perturbava. O desejo aumentava cada vez mais. E ela sorria para ele. Ela já nem disfarçava mais o sorriso.
Estava tudo combinado. Já não pensava mais nas consequências. Estava disposto a passar o que fosse, mas ia embora com aquela mulher. Saiu cedo para resolver alguns problemas na cidade e receber algum dinheiro que tinha para receber. Foi quando aquele irmão veio falar-lhe: - Tive um sonho essa noite. Ele olhou para o irmão com desdém. O que isso importava? Mas se não o ouvisse aquele irmão não o deixaria em paz. – Ah é? E que sonho foi esse? O irmão olhou para ele e falou: - Sonhei que havia vários pés de coqueiros bem vistosos na avenida e de repente um desses coqueiros caiu. Estava com as folhas vistosas, muito bonitas, mas suas raízes estavam secas.
Por um momento ele ficou em silêncio. Sabia que aquele sonho tinha um significado para ele. Que coisa! – Ah, meu irmão – falou – deve ser por causa da morte daquele Pastor que morreu naquele acidente. O irmão sorriu. – Deve ser então. Deixou ali aquele irmão e seguiu seu destino. Em sua cabeça estava a sentença. Deus havia mostrado para aquele simples irmão a sua vida. Folhas verdes e raízes secas. Que coisa!
Dentro do ônibus a mulher deitou em seu colo e dormia a viagem inteira. Ela havia abandonado seu marido para estar com ele e ele havia largado sua esposa e filhos para trás. Isso era amor? O coração angustiado. Fora vencido pelo desejo. Pensava na repercussão que tudo isso provocava nas pessoas que o conheciam. Um escândalo de proporções gigantescas. Uma tragédia sem precedentes. Vidas que se desfizeram pela magia de olhos negros daquela mulher.
A tentação é uma goteira incessante. Devemos tomar todo o cuidado para não nos deixarmos molhar. Temos escolhas. Mas, cada escolha tem suas consequências. Aquilo que o homem semear isso também ceifará. Eis um princípio básico da vida. O desejo do coração humano é moldado pela natureza pecaminosa e a tendência é sempre ambicionar as coisas deste mundo. Enganoso é o coração do homem mais do que qualquer outra coisa, quem o conhecerá.
Texto: Odair José, Poeta e Escritor Cacerense
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