Vertedouro de versos

Os dedos estão loucos
Não param de mudar os canais.
Os olhos lacrimejam
Um cansaço inesgotável de tanta curiosidade e ansiedade.
Os versos estão nos dias
Nas noites, no frio
Na triste partida, na alegria ausente...
Que ausência?
Que sentimento é este?
A cada dia crio um sentimento novo,
Mas sempre esqueço de patenteá-lo.
Agora só vejo uma sombra triste
Sobre o papel atrapalhando o movimento da caneta,
Que no escuro se perde.
Assim, perde-se também a vontade de refletir.
As lembranças dizem adeus.
A vontade de viver e ver coisas novas
Perde a vontade de ver e viver coisas novas.
Tudo é previsível
Tudo se iguala.
O meu rosto sempre muda
Os meus versos sempre se distorcem
E não dizem nada.

Sonhava em ser um vertedouro de versos!
Num imenso reservatório estancado
Para movimentar a usina de poesia,
Mas percebi que isso não é realidade.
O que é real?
O que é normal?
Estar sentado buscando de alguma forma valorizar-me escrevendo algo
Que só serve para mim?
Que estranho suplício de tentar passar para frente
O que está doido para se esconder
Numa timidez do meu próprio “eu” absurdo?
Sou mórbido porque a morbidez me mobiliza
Me prende
Me tortura.

Apago a luz do meu quarto vazio
Para acender os meus olhos.
Peço-lhes desculpa por me desculpar,
Estou e sempre estarei sem estar.
Vocês pensarão se pensar vale à pena.
Não se preocupem comigo,
Sou leve e vôo com o ar.

.....................................................
Alguns cuja alma bóia no naufrágio da ventura
Aos escolhos da culpa ou mar do excesso são levados;
O ímã da rota foi-se, ou só e em vão aponta a obscura
praia que nunca atingirão os panos lacerados.
(Lord Byron)

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Tuesday, November 17, 2009 - 22:47

Poesia :

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FranciscoEspurio

FranciscoEspurio's picture
Offline
Title: Membro
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Comments

jopeman's picture

Re: Vertedouro de versos

Excelente

Tanto que poderia destacar

"Tudo é previsível
Tudo se iguala.
O meu rosto sempre muda
Os meus versos sempre se distorcem
E não dizem nada.

Apago a luz do meu quarto vazio
Para acender os meus olhos.
Peço-lhes desculpa por me desculpar,
Estou e sempre estarei sem estar.
Vocês pensarão se pensar vale à pena.
Não se preocupem comigo,
Sou leve e vôo com o ar."

E se um verso não diz nada...já as lágrimas dirão tudo, mas no escuro...no escuro elas irão procurar um caminho que desague na foz de um sonho

Fabuloso, adorei
Abraço

RobertoEstevesdaFonseca's picture

Re: Vertedouro de versos

Lindo poema.

Gostei.

Um abraço,
REF

MarneDulinski's picture

Re: Vertedouro de versos

LINDO POEMA, GOSTEI1
COMO TUDO PASSA, ESSA FASE TAMBÉM PASSARÁ E CHEGARÁ O DIA EM QUE AS POESIAS CAIRÃO DO COLO DE SEU PERSONAGEM, PARA NOS ENCANTAR COM BELAS E NOVAPOESIAS!
um abração,
MARNE

Manuelaabreu's picture

Re: Vertedouro de versos

Francisco
parabéns pela poesia soberba cheia de ditos e contraditos!

Lindos versos feitos com criatividade e mestria na fonte chama da poesia:

"Apago a luz do meu quarto vazio
Para acender os meus olhos."
Um abraço :-)

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