Sementes de amor e esperança

O dia amanheceu com aquele cheiro a hortelã. Tio Janeca chamou o sobrinho Zeca que, ainda, dava voltas na enxerga de palha a que chamava de cama. - Levanta-te, Zé preguiçoso, que o galo está quase a cantar! Zequinha era um jovem amargurado, órfão de pai e mãe, no auge dos seus 15 anos, abandonou os estudos porque a inteligência não o havia contemplado e porque ficara entregue aos cuidados do Tio Janeca, seu único parente, eremita por opção, agora, acompanhado do desmiolado rapaz, invasor das suas horas de meditação e contemplação da natureza. - Oh tio, eu hoje podia dormir mais um pouco, a Xinha está prenha e agora não dá leite, se não tenho de ordenhar a cabra para que é que preciso levantar-me tão cedo? - Anda, senta-te aqui junto a mim e come estas sopas de café com leite! - Sabes? - A natureza também tem os seus horários e, tal como tu, também dorme, mas para isso Deus fez a noite. Se somos parte dela temos de respeitar as suas regras. - Oh tio, mas eu sou parte da natureza? - Claro que sim, tudo o que foi criado por Deus faz parte da natureza. - Olha vem daí, vamos sentar-nos debaixo deste velho carvalho. - Agora respira fundo e pensa nas estrelas, nas nuvens, no sol e nos ciclos da lua… - Consegues perceber como cada um deles surge e desaparece conforme o horário que lhe foi destinado pelo Criador? - O tio sabe cada coisa, nunca tinha pensado nisso, eu cá só me apetece dormir. Nisto, Zacarias, o galo capão, cantarolou a cantiga que Deus lhe encomendou para acordar a humanidade e Zeca entendeu finalmente que àquela hora da madrugada a natureza despontava na sua plenitude e quem muito dormia nunca haveria de testemunhar tamanho milagre. Ali, mesmo na sua frente, o carreiro das formigas atarefadas atropelava-se na correria desenfreada pela sobrevivência, ainda mal rompera a aurora e já estes seres minúsculos cumpriam o seu destino. O Tio Janeca tirou do bolso das jardineiras umas pequenas sementes e ordenou a Zeca com a convicção de quem já viveu o suficiente para ensinar o que a vida lhe ensinou: - Anda, quero que deites estas pequenas sementes à terra! - São sementes de quê tio? O velho eremita respondeu: - São sementes de amor e esperança.

Submited by

Sunday, April 18, 2010 - 16:26

Prosas :

No votes yet

Nanda

Nanda's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 12 years 44 weeks ago
Joined: 10/23/2009
Posts:
Points: 2469

Comments

Susan's picture

Re: Sementes de amor e esperança

Que belos ensinamentos sobre a esperança , o amor e natureza !
Como será bom se cultivarmos um jardim destas sementes...
Gostei muito !
Beijos
Susan

ÔNIX's picture

Re: Sementes de amor e esperança

Olá Nanda

Gostei d te ler neste registo. Um texto bem escrito e que poderias transportálo para o tópico do forum. Histórias Contadas. ´

É só copiares o link para lá

beijos

Matilde D'Ônix

Add comment

Login to post comments

other contents of Nanda

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Meditation Tu és luz! 8 1.114 05/05/2010 - 09:01 Portuguese
Poesia/Fantasy Serena não sou 2 1.395 05/02/2010 - 18:27 Portuguese
Prosas/Contos Por trás de um grande pirata, está sempre uma grande mãe... 2 1.896 04/30/2010 - 16:24 Portuguese
Poesia/Meditation Refugio-me 7 1.407 04/29/2010 - 21:55 Portuguese
Poesia/Sonnet Transformei-me num rochedo 6 1.561 04/26/2010 - 01:59 Portuguese
Poesia/Sonnet Soneto sem fé 5 1.132 04/26/2010 - 01:54 Portuguese
Poesia/Love Palavras a metro 4 1.218 04/23/2010 - 16:50 Portuguese
Poesia/Love Capítulos ao vento 7 1.731 04/22/2010 - 14:49 Portuguese
Prosas/Contos Sementes de amor e esperança 2 1.758 04/19/2010 - 23:02 Portuguese
Poesia/Intervention No fio da navalha 4 1.197 04/19/2010 - 10:23 Portuguese
Poesia/Aphorism Olhos da revolução 0 1.379 04/17/2010 - 07:36 Portuguese
Poesia/Aphorism Onda energética 1 1.172 04/13/2010 - 11:18 Portuguese
Poesia/Fantasy Árvore dos meus segredos 4 1.634 04/12/2010 - 14:57 Portuguese
Poesia/Aphorism No palco da vida 4 1.492 04/12/2010 - 00:40 Portuguese
Poesia/Meditation Fio de prumo 3 1.391 04/11/2010 - 16:18 Portuguese
Poesia/Meditation Este meu grito contrafeito 2 1.581 04/09/2010 - 17:30 Portuguese
Poesia/General Há um céu na minha boca 5 1.270 04/07/2010 - 15:41 Portuguese
Poesia/Aphorism Num impasse 3 1.034 04/06/2010 - 16:54 Portuguese
Poesia/Sonnet Forças rivais 4 1.542 04/05/2010 - 17:55 Portuguese
Prosas/Comédia Santa Bárbara 3 1.824 04/03/2010 - 08:15 Portuguese
Poesia/Sonnet Estranha de mim 3 1.282 04/02/2010 - 10:47 Portuguese
Poesia/General Céu de vertigens 3 1.250 03/31/2010 - 18:18 Portuguese
Poesia/Meditation Mutação 5 1.352 03/30/2010 - 07:36 Portuguese
Poesia/Fantasy Dias de algodão 4 1.193 03/28/2010 - 21:20 Portuguese
Poesia/General Dois pingos de água benta 5 1.381 03/26/2010 - 09:06 Portuguese