Mysticismo Humano
Mysticismo Humano
A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d'amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras...
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita...
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!
Tem um poder immenso as Cousas na tristeza!
Homem! conheces tu o que é a natureza?...
- É tudo o que nos cerca - é o azul, o escuro,
É o cypreste esguio, a planta, o cedro duro,
A folha, o tronco a flor, os ramos friorentos,
É a floresta espessa esguedelhada aos ventos;
Não entra o vicio aqui com beijos dissolutos,
Nem as lendas do mal, nem os choros dos lutos!...
- E os que viram passar serenos os seus dias...
E curvados se vão, ás longas ventanias,
Cheio o peito de sol, atravez das florestas,
Á calma do meio dia... e dormiam as sestas,
Tranquillos sobre a eira, entre as hervas nas leivas...
Vão cansados depois, entre os ramos e as seivas,
Outra vez sob o Sol - a sua eterna crença! -
Em fructos resurgir á natureza immensa,
E, aos beijos do luar, descansarem felizes,
Da bem amada ao pé, no meio das raizes!
Morrer é livramento! oh deve saber bem
Sentir-se dilatar na Natureza mãe!
Ser tronco, ramo ou flor, nuvem, herva ou alfombra,
A rosa que perfuma, a arvore que dá sombra!
Estremecer na encosta ás nocturnas geadas,
E recortar o azul das noutes constelladas!
Oh pelo claro azul d'essas noites serenas,
Que o segador trigueiro entôa as cantilenas,
Tristes como a lua e o espinho dos martyrios,
E que atravez do azul parecem cair lyrios!...
Quando a brisa levanta as folhas indiscretas,
Noivam os rouxinoes e se abrem as violetas...
E a Natureza tem como um sabor de beijos,
Que obriga a soluçar a alma de desejos!...
Que segredos dirão nas brisas mensageiras,
Á doçura da lua, a flor das larangeiras,
O lyrio, a madresilva, os jasmins vacillantes,
Que foram já, talvez, seios fortes e amantes,
E que hoje' á branca luz dos myrthos sideraes,
Conversam sobre o amor e os gosos ideaes
Do tempo, que a fallar corriam breve as horas,
Que seus olhos leaes tinham a côr d'amoras,
E debaixo do Ceu teciam longas danças,
Ao pé da amante meiga e de compridas tranças!...
No lago somnolento a flor do nenuphar
Talvez é um coração que abre para chorar!
O lyrio um seio bom, - e as violetas curvadas
São os olhos talvez das doces bem amadas!...
Feliz o semeador que vive entre os arados,
O campo, os lentos bois, longe dos povoados,
Entre os rijos irmãos humildes e trigueiros,
Que vivem sob o sol, á chuva, aos nevoeiros,
E quando á noute finda os suarentos trabalhos,
Vem a doce mulher buscal-o nos atalhos,
Cujo olhar como a lua é tranquillo e consola,
E descanta chorando á noute na viola!...
E os que andam pelo mar, alegres e contentes,
Entre as ondas e o Ceu, saudosos, negligentes,
Entre os cantos do vento, olhos fitos nos ceus,
Entre o azul, o escuro, e os frios escarceus,
Hombro a hombro o abysmo, - abysmo sempre aos pés,
Que dormem á poesia, á lua das marés,
E morrem uma noute, ó mar, aos teus emballos,
Deixando uns olhos bons e meigos a choral-os!
Eu por mim não terei um astro bom nos Ceus,
Nem uns olhos leaes que chorem pelos meus,
E que inda a fronte mal me obscureça a magoa,
Como espelhos d'amor já sejam rasos d'agua!...
Sósinho passarei, e não irei jámais,
Pelas murtas com ella ás tardes outomnaes;
De inverno não terei os consollos do lar,
Nem do estio a doçura immensa do luar;
Meus filhos não irão jámais colher os ninhos;
Ninguem virá á tarde esperar-me nos caminhos!
António Gomes Leal
Submited by
Poesia Consagrada :
- Login to post comments
- 1203 reads
other contents of AntonioGomesLeal
Topic | Title | Replies | Views | Last Post | Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Fotos/Profile | Gomes Leal | 0 | 1.121 | 11/23/2010 - 23:37 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cantiga do Campo | 0 | 856 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Meditation | Mysticismo Humano | 0 | 1.203 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Aos Vencidos | 0 | 856 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | O Mundo Velho | 0 | 830 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Aos Vencedores | 0 | 854 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Palácios Antigos | 0 | 979 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | De Noite | 0 | 837 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | O VISIONÁRIO OU SOM E COR | 0 | 924 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | As Mães | 0 | 856 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Sonnet | A maior dor humana | 0 | 800 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | A Cantiga do Campo | 0 | 946 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Love | Autópsia do Amor | 0 | 1.495 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Erotic | Aquella Orgia | 0 | 1.294 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Madrigal Excentrico | 0 | 827 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Na Cabeceira d'um Leito | 0 | 756 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Dedicated | Lisboa | 0 | 786 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Sadness | Miseria Occulta | 0 | 1.460 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Aquelle Sabio | 0 | 833 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | A Visita | 0 | 758 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Soneto D'Um Poeta Morto | 0 | 817 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | As Cathedraes | 0 | 799 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | As Aldeias | 0 | 765 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Acusação à Cruz | 0 | 771 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Sadness | Tristissima | 0 | 1.460 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese |
Add comment