ELOGIOS I

1

Aos faustissimos annoa da Fidelissima Rainha
de Portugal, D. Maria I

(Recitado no Theatro da Rua dos Condes, em 17 de Dezembro de 1799)

A rispida estação tumultuosa,
Que de vapor medonho assombra os ares,
Que das Eólias grutas desferrolha
Estrondosos tufões, e além das nuvens
O pélago arrogante em serras manda;
Esse triste oppressor da Natureza,
Monarca das horrisonas procellas,
Cuja grenha erriçada os gêlos c'roam;
Que arremessa o trovão, que accende o raio
Na voz terrivel, nos terriveis olhos,
E, saudoso do cáhos, como que intenta
Fingil-o, arremedal-o em seus horrores:
O carrancudo, tenebroso Inverno,
A' face de alto horóscopo brilhante
Foi por lei divinal, por lei dos Fados
Constrangido a despir tartáreo luto.

Eis dobrando a cerviz, eis bonançoso,
O tyraimo da luz sacode ? as trévas:
Respira a Natureza, o céo respira,
Vitreos os mares sobre as praias dormem,
Onde Aquilo rugiu Favonio brinca,
A nascer entre a neve aprendem rosas;
Amor sentindo, o rouxinol se inflamma,
Contente, illuso, não conhece o tempo,

Vêl-a imagina, e canta a primavera.
Surgindo em tanto na purpurea nuvem,
Télas trajando fulgurantes de ouro,
De jasmins immortaes a fronte orlada.
Com risos, que estudou de um Deus na face
A scintillante Aurora o pólo esmalta.
Seus lumes como nunca então raiaram.
E gota, e gota de macio orvalho
Que esparziu no teu seio, oh Lysia, oh patria
Foi ledo agouro, foi suave emblema
De mil bens, que dos céos a ti dimanam.

Maria, a mãe de heróes, de heróes a filha
A Jove mereceu tão novo indulto,
Trouxe tão novo indulto á Natureza.
Seu natal sobre-sáe aos mais fulgentes
Quanto no ethereo cume, alardeando
Torrentes de fulgor, que o pólo innundam,
Vence o planeta majestoso, intenso
Tenue luz, que esmorece em negra estancia.

Sim, Rainha immortal, se a bem do mundo
Prenda tão cara, não lhe houvesses dado;
Se, doce fructo de amorosa planta,
Teu mimo, teu penhor, delicias tuas,
João, sangue de heróes, que o Tejo adora,
A nossos corações negado fosse,
Ninguem te egualaria áquem dos numes.

Elles teu grande horóscopo envolveram
No immenso resplendor da eternidade,
Tua alma se embebeu na essencia d'elles;
E ao ponto em que dos céos se derivava,
Abrindo a azul campina em sulcos de ouro,
Presumiu assombrada a Natureza
Que radiosa porção vivificante
Do facho universal se desprendia.

A Jove teu natal deveu sorrisos;
E, attento na mimosa infancia tua,
Com rosto afagador te olhou, te disse:
«Qual é teu dia, tal será teu fado.»

Submited by

Sunday, October 18, 2009 - 20:15

Poesia Consagrada :

No votes yet

Bocage

Bocage's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 14 years 33 weeks ago
Joined: 10/12/2008
Posts:
Points: 1162

Add comment

Login to post comments

other contents of Bocage

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia Consagrada/General FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S – I 0 2.016 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General VERSÕES LYRICAS I 0 1.280 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General VERSÕES LYRICAS II 0 2.031 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General A CONCORDIA - E N T R E A M O R E A F O R T U N A - I 0 1.913 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General A CONCORDIA - E N T R E A M O R E A F O R T U N A - II 0 2.613 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General A CONCORDIA - E N T R E A M O R E A F O R T U N A - III 0 2.966 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General A VIRTUDE LAUREADA - I 0 2.028 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General A VIRTUDE LAUREADA - II 0 1.417 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General A VIRTUDE LAUREADA - III 0 1.800 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General A VIRTUDE LAUREADA - IV 0 1.956 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General A VIRTUDE LAUREADA - V 0 1.728 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General A VIRTUDE LAUREADA - VI 0 1.644 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General A VIRTUDE LAUREADA - VII 0 1.722 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - I 0 1.847 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - II 0 1.657 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General ELOGIOS XV 0 1.226 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General ELOGIOS XVI 0 1.515 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General ELOGIOS XVII 0 1.998 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General ELOGIOS XVIII 0 1.584 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General ELOGIOS XIX 0 1.783 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General ELOGIOS XX 0 1.967 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General ELOGIOS XXI 0 1.608 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General ELOGIOS XXII 0 2.698 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General ELOGIOS XXIII 0 1.763 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General ELOGIOS XXIV 0 1.035 11/19/2010 - 16:55 Portuguese