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FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - I
VASCO DA GAMA
Ou
0 DESCOBRIMENTO DA INDIA PELOS PORTUGUEZES
(TRAGEDIA)
ACTORES
O ÇAMORIR. — VASCO DA GAMA. — ATAIDE, official portuguez, seu
confidente. — HARIL, principe de Cochim. — O CATUAL, regedor
de Calecut. — ALMANSOR, mouro opulento em Calecut.
ALAIDA, filha do Çamorim. — CREZINTA, confidente da princeza.
— MONÇAIDE, africano. — Um BRACHMANE.
A scena é em Calecut, no palacio do Çamorim
ACTO I
SCENA I
Almançor e Monçaide
ALMANÇOR
Este estrangeiro audaz, que, desferindo
Por mar ignoto as temerarias velas,
Talhou de pégo immenso as virgens ondas,
De serra em serra no Oceano horrendo;
Que, lidando co'a morte, abriu caminho
Lá desde a foz do Tejo áquem do Ganges,
Trouxe de alta ousadia extranho exemplo,
E do gran Çamorin surgiu nos mares;
Gama, que embaixador de um rei potente
Com vozes tão seguras se nomeia;
Accezo contra nós em odio herdado,
Que de males dispõe aos musulmanos,
Que de males promette á India toda !
A constancia, o valor té-li não vistos
Com que o mundo assombrou na grande empreza,
E as mil promessas vãs, que tece astuto
De interesses communs, apparelhados
Ao povo portuguez, ao indio povo,
N'alma do Çamorim se insinuaram;
O illuso imperador dos Malabares
N'olle préza um heroe, e o bem do estado;
Em proficua alliança espera os fructos
Que do arteiro christão lhe finge a astucia.
Tem já tres luas circulado o Polo
Depois que em Calecut os frageis lenhos,
Vencedores das ondas, aportaram:
Aqui de voz em voz correndo a fama
No espanto desde então se nutre e esforça;
Abjectos poleás, altivos naires
Com cego enthusiasmo aqui proclamam
O forte conductor dos nautas duros.
Deslumbrada nação, não vês, não sentes
Forjar-se ao longe, e retinir teus ferros?
Entranha no vindouro a conjectura:
Esses, cujas acções com pasmo acclamas,
São heroes do valor: não da justiça;
Hoje alliados, amanhã tyrannos.
Acaso d'entre as artes, d'entre as honras,
D'entre o puro clarão de um céo risonho,
D'entre os mimos da patria, a nós é vindo
Esse chefe arrogante, e seus sequazes
Não mais que a merecer duravel nome,
Gráo entre aquelles, que enternisa a gloria ?
Ah! Na gloria a politica se envolve;
Politica feroz, que em paz machína
O nosso captiveiro, o nosso estrago;
Que espreita o modo com que lance o jugo,
Que ao triste Malabar transtorne os fados,
E que ás outras nações d'aqui se alongue.
MONCAIDE
Na audacia, na politica presumo
O genio portuguez capaz de tanto;
Mas soffre mil obstaculos a empreza...
ALMANSOR
Não duvides, Monçaide; atroz mudança
Nosso estado terá, e o d'estes povos,
Se tal gente, a prodigios costumada,
De Africa incendio, horror da patria nossa,
Aqui poder tambem vibrar seu raio;
A seita musulmana então succumbe,
Cáe o influxo, o favor, cáe a opulencia
Que atendiveis nos faz perante o solio.
Cumpre não desmaiar na canta empreza;
Por esforços extremos se remova
A procella imminente ás nossas frontes.
MONÇAIDE
Practicados ardís, tégora inuteis.
Auguram pouco effeito a novas artes:
As torres, que a ambição vai surda erguendo,
Por braço experto, e para nós terrivel,
A' sombra avultam do poder supremo;
O incauto Çamorim não vê futuros;
Ufano do esplendor, que lhe reflecte
Da embaixada de um rei temido, e grande;
De brilhantes chimeras encantado,
E mais do firme tom, que as fortalece
Nas vozes, no exterior de um homem raro,
Faustas idéas da apparencia colhe.
Debalde o Catual, cuja avareza
Thesouros nos absorve insaciavel,
Esperanças vendendo a preço de ouro,
Debalde tem mil vezes machinado
Dos atrevidos nautas a ruina:
Se o poder, que do throno lhe dimana,
Se a publica, orgulhosa auctoridade
Que exerce em Calecut esse, que priva
Tanto c'o Çamorim, e o representa,
Eficazes não torna os teus projectos,
Porque da empreza vã não descorçôas ?
De infallivel tractando o contingente
Ao proximo regresso obstar desejas
Dos guerreiros varões, que odeias n'alma,
E queres o seu fim, não sua ausencia:
Já promptos nos baixeis a patria anhelam,
Completa a commissão que a nós os trouxe;
Soltas em breve as temerarias velas
Tornarão a arrostar o horror profundo
Das negras ondas em que ferve a morte;
Cedo entregues ao vento, ao mar entregues
Esses, que temes, livrarão teus olhos
De seus feros semblantes importunos:
E quem sabe se o turbido Oceano,
Que uma vez lhe soffreu a enorme audacia,
Agora mais indocil, mais soberbo
No horrivel bojo sorverá com elles
Ingentes, arriscadas esperanças?
Nem sempre o destemido é venturoso:
Da fortuna á desgraça o passo é curto...
Sim, Almansor: ao vento, ao mar, ao fado
Demos a empreza facil de extinguil-os.
ALMANSOR
Monçaide, o vento, e mar lhe obedeceram,
E que fiar não ha no fado incerto.
Importa-nos seu fim, não sua ausencia;
Não que, outra vez o pelago affrontando,
Esses lenhos fataes no Tejo ancorem;
Não que o fructo de prospera ousadia
Émulo ardor provoque a renoval-a,
E as artes multiplique, e apure as forças
Ao plano de politica, e de gloria,
Com que activa nação, que em si não cabe,
De seus curtos limites indignada,
Quer do ultimo occidente arremessar-se
Aos climas, onde o sol dá luz primeiro;
E aqui, ou na extensão de toda a terra
Projecta impôr seu jugo, honrar seu nome.
Tolher-se a execução do plano infesto
E' justiça tambem, não só proveito;
Apaguem-se as faiscas pouco accezas,
Que um vasto incêndio não remoto agouram:
Sempre exemplo feliz terá sequazes,
Nenhum, ou raros desgraçado exemplo.
N'alma do Çamorim terror se infunda,
Que perigoso apreço em odio troque:
Um só não fique illeso, um só não torne
Dos bravos, dos terriveis navegantes,
Que leve á patria o miserando annuncio
Do asperrimo castigo aos seus imposto:
Ou seja o captiveiro, ou seja a morte
Condigno premio da ambição, que injusta
Sobre a nossa ruina empreende alçar-se.
Em traír um traidor não ha vileza.
Mauritano, como eu, te cumpre, amigo,
Manear da vingança os instrumentos
Contra a feroz nação, que nos detesta,
Contra a feroz nação, que detestamos:
Reciproco interesse, a lei. e a patria
Tal zelo, tal fervor de nós exigem.
MONÇAIDE
O paterno destino acompanhando,
Bem sabes que de Tunes, patria minha,
Aqui vim exercer, qual tu, qual outros,
Esta correspondencia industriosa
De nação a nação, que as enriquece,
As pule, as encadêa, as fraternisa,
No cambio do que ao luxo, á vida serve:
Sabes que um pae, de que venero as cinzas,
Proveitosa união me urdiu comtigo
N'est'arte, que as fortunas amplifica
(Arte, que ás vezes se desluz, se avilta
No illegitimo ardil, no torpe engano,
Arte porém, que em mil dá culto á honra)
São interesses meus teus interesses,
Teus damnos são meus damnos, em virtude
Da alliança fiel por nós mantida:
Atalhar-se o progresso aos portuguezes
Da gloria, da ventura, que ambicionam,
A ti, e a mim convém, convém aos nossos,
Ao grande Çamorim, e á India toda;
Embora estratagemas se requintem,
Se ainda t'os depára a phantasia,
Para que de fadiga infructuosa
Amargo desengano á patria levem,
E obste a novas tenções tenção baldada;
Sanguinarios porém, crueis não sejam
Os meios que empregarmos; não se julgue,
Não digam que é vingança o que é justiça:
Que frouxos, incapazes de atterral-os
Tentámos impiamente o desaggravo
De tanto, e tanto mal, que tem soffrido,
E que inda nossos climas soffrem d'elles.
Amo a patria, amo a lei, sou musulmano,
Mas odeio a traição, a astucia infame,
Vicios que aos africanos se attribuem;
A lei universal, a humanidade
Deve a todas as leis ser anteposta:
Este o meu sentimento agora,, e sempre.
ALMASOR
Se a amisade, se a fé que em ti respeito,
Por longas experiencias apurada,
Suspeitas naturaes não rebatesse,
Namorado tambem te julgaria
Da acção, que teve as ondas por theatro;
Crêra que a superficie te deslumbra,
E te não resta luz que indague o centro.
Se brilhantes acções têem fins odiosos,
Que vale o resplendor de acções brilhantes ?
O heroismo é razão; não ha sem ella
Proeza que eternise, acção que afame:
E é da razão talvez, é do heroismo
Vêr mil horrores, abarbar mil mortes
Para tornar com arte, e com violencia
Primeiro amigas, e depois escravas
Innocentes nações, a quem pozera
Procellosas barreiras o Oceano
Contra insana ambição, contra esse monstro,
Que as fauces lhe abre ao longe, e quer tragal-a?
A lei universal, a humanidade
Reconheço tambem, tambem pondero;
E, em pospôr um só povo a muitos povos
Por elle iniquamente ameaçados,
Cumpro o sacro dever, que ufano allegas
Além de sustentar a propria, a justa,
A grande causa onde omissões são crimes;
Onde...
MONÇAIDE
O tom da suspeita, que em teus labios
Sôa injusto, Almansor, tambem é crime,
Antes delirio, que profana, insulta
A amisade, e a razão: que ardor, que zelo
Transcende o que atéqui mostrei na empreza
Por tão altos estorvos contrastada?
Se ao portentoso Gama, em cujos feitos
Admiro o heróe, e o portuguez detesto,
Tenho captado a confiança amiga
Com publico louvor, sagaz obsequio,
Teus conselhos segui; por teus conselhos.
E interesses da patria, d'estes povos
A desvelo impostor forcei minha alma,
De meu livre caracter fui tyranno:
O assombro involuntario, que me exprobras
(Apalpa o coração) tu mesmo o sentes,
O confessas tu mesmo: e quem podéra
Não sentil-o, Almansor, não confessal-o ?
Os novos Argonautas do occidente
Na façanha immortal têm já transposto
As metas do que é dado á Natureza:
Esse, que os dirigiu da gloria ao cume,
Universal pregão merece á Fama;
Seu nome pelos séculos se estende,
Nem tu podes, nem eu, nem quanto existe
Negar-lhe a admiração, seu jus, seu premio,
A admiração porém não tyrannisa
Minha mente, capaz de refreal-a,
E vêr pelo clarão do illustre feito
Horridas nuvens, que promettem raios:
Nossos intentos pois ao fim se levem,
Se possivel nos fôr ao fim leval-os;
Mas arte seja tudo, e longe a força.
Além do Çamorim não consideras
Que braço contraría os teus furores ?
Vê do rei de Cochim o augusto herdeiro,
Vê o principe Haril como protege
(Tambem n'alta façanha embellezado)
A causa d'esses homens destemidos;
E que para seu rei grata resposta
Gama do Imperador por elle obteve.
Na pompa, na grandeza d'este dia
Attentado egualmente, as iras doma:
Hoje que o Çamorim desposa a filha,
Que Alaida em prisão dôce a Haril se enlaça,
Que o paço imperial off'rece aos olhos
Requintado esplendor em honra ás nupcias,
Respeitemos, amigo, respeitemos
O publico prazer, e o do monarcha:
Ousar-se n'este dia acção, que o turbe,
Aos céos, e á terra sacrilegio fôra;
Bonançosa alegria hoje serene
Tumultos de paixão, que o peito abalam.
Depois...
ALMANSOR
Absorto em lúgubres imagens,
Descuidei-me atéqui do grande objecto,
Que exige o mais profundo acatamento.
A amisade, e o dever me gritam n'alma
Que peze teus conselhos, que os abrace:
Estas agitações, o ardor que attento
Tempéras co'a razão, tambem tempero;
Um dia, um dia só, não mais que um dia
Forcem-se as iras a dormir no peito,
E colham do repouso alentos novos.
Ao Cataul propor mais ardua empreza
Era o vasto projecto, era o destino
Que á morada real guiou meus passos;
Mas a proposição pede outro tempo,
E incentivo menor d'aqui me affasta.
Tu, Monçaide fiel, prosegue emtanto
Na cauta indagação dos pensamentos,
Que o suberbo europeu talvez te esconde:
E' para nossos fins um bom principio
Sondarmos o inimigo, e ler-lhe n'alma;
0 pezo d:este exame indispensável
Deponbo todo em ti. Dissimulemos. '
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