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ELOGIOS XVI

16

Despedida de António José de Paula aos Portuenses

(Recitado no seu Theatro ao anno de 1802)

Alta virtude, sentimento augusto,
Que, absorto no esplendor, na dignidade,
Na grandeza, no ser, distancia, fórma
Das estrellas, do sol, do mar, da terra,
De quanto constitue a Natureza,
Ergues de céos em céos ao rei dos entes
Nuvem de aromas, que perfuma os hymnos,
Quando além do universo, além do espaço
Se embebe a voz mortal no seio eterno !
Divina Gratidão, que até rompeste
Por entre immenso horror, de Lybia os ermos,
Que déste nos leões exemplo aos homens,
Que do novo espectaculo assombraste
O vasto circo da orgulhosa Roma,
Tornando carniceira, horrivel féra
Ante o seu bemfeitor macia, e branda !
Divina Gratidão, tu és, tu foste,
O orgão de meu dever serás co'a patria.
Meus labios com teus sons aromatisa,
Dá-me a tua energia, impulso, alteza,
Converte-me em ti mesma, ou sê meu nume.

Egregios, venturosos habitantes
Do opulento, afamado, antigo emporio,
D'a, que aos patrios annaes, ampla cidade
Nos fastos deu materia, e nome a Lysia,
Filhos de excelsa mãe, da torreada,
Majestosa rival d'alta Ulysséa,
Sensiveis attendei-me, ouvi benignos,
Verdade, e gratidão, que sôam d'alma.
Nos campos desiguaes onde Thalia,
E' a carrancuda irmã, com riso, e pranto
Melhoram corações, o vicio punem,
Ousei com rosto imberbe, e planta incerta
Dos Barons, dos Le Kains seguir a estrada,
De fragoso terreno, e fim remoto.
No estudo, no suor, no ardor, no gosto
Meus dias envolvi, sonhei doural-os
De um brilhante futuro: honrar, e honrar-me.
Tentou ave rasteira os vôos de aguia,
Já no clima natal, já n'outros climas;
Cem vezes adejei, tremi cem vezes
Ante os cumes da Gloria, a mim vedados:
Queria o coração, não pôde o genio.
Co'a mente recuando ao gran principio
Do merito, que luz na scena heroica,
Do merito, que luz na média scena,
Vi que, emulos, eguaes, o actor, e o vate
Deviam florecer nas artes suas;
Que ao genio imitador, na voz, no gesto,
Nos ais, no pranto, no terror cumpria
Reforçar a illusão, que em igneo metro
De assombrosas paixões presente o quadro,
Ou mostra em tom meão communs affectos.

Eis aos olhos mentaes me off'rece Athenas
A terrivel tragedia, alçando o braço,
No semblante o furor, n'alma o remorso,
Entre luctos, punhaes, traições, venenos.
Além vejo Menandro, ali Terencio,
Plauto ali, motejando humanos vicios,
Correndo a grandes fins por tenues meios;
Olho os mestres da Scena, os orgãos d'ella,
Que fazem da illusão brotar proveitos,
Quaes nunca, ou mui d'espaço os dá verdade.
Venerando espectaculo da idéa,
Graves objectos, que aterraes audacias,
Sereno, todavia, ouso arrostar-vos.
A patria me protege, influe, excita,
A meu tremente adejo alenta os vôos,
Acolhe-me o fervor, me avulta o nada.

Illustres cidadãos, congresso amavel,
A' sombra de Ulysséa, á sombra vossa,
Meus fados abriguei, meu ser, meu nome.
Caracter grande, espirito sublime
Honra as margens ao Tejo, ao Douro as margens:
Aqui confere o genio, e lá confere
Beneficencia, amor, esteio ás artes.

Nadando o coração n'um mar de affectos,
Ao mais sentimental que sáe d'entre elles,
A' magoada saudade as vozes pede,
Que de violenta ausencia o custo exprimam...
Mas porque exerço a voz, se da amargura
A suprema eloquencia está nos olhos ?
Vai zelada em meu peito a vossa idéa,
Zelada contra os Tempos, contra os Fados:
Da minha gratidão perenne, intensa
Serão mais um triumpho a Morte, e o Lethes.

E tu, que, attento ás leis, á patria, á gloria,
De Astréa imparcial cultor, e alumno,
O publico repouso estás velando;
Tu, alto pelos teus, por ti mais alto,
Que afagas, que mantens, que fertilizas
Magnanimo, illustrado, as artes bellas:
Prospéra, em honra tua, em honra d'ellas.
Dure, brilhe teu nome em quanto o Douro
Levar nas fartas ondas turbulentas
Mais guerra que tributo ao rei dos mares.

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domingo, outubro 18, 2009 - 21:37

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