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ELOGIOS XV

15

Ao publico, em nome de Leocadia Maria da Serra
no dia do seu beneficio

(Recitado no Theatro do Salitre, no anno de 1799)

Interlocutores : ACTOR E ACTRIZ

ACTOR

Por uma estrada só não se encaminha
O genio lidador, votado á Fama:
As diversas paixões tem fins diversos,
São diversos os gráos, onde a virtude,
Onde a gloria aos mortaes colloca os nomes.

Por entre o fogo, o pó, e o sangue, e a morte
Raios de ferro, ou bronze arrosta aquelle:
Arde, freme, esbravêa, arqueja, espuma,
Em quanto, do espectaculo aterrada,
Parece que recúa a Natureza.
Este em douta vigilia, e reclinado
Da planta de Minerva, á sombra amiga,
Estuda os corações, estuda os tempos,
Sonda costumes, caracteres sonda,
E, corrigindo os mais, a si corrige.

Est'outro, desdenhando a baixa terra,
Nos extasis phebêos discorre os astros;
Travam seus olhos do futuro esquivo,
Da immensa eternidade arranca os Fados:
Mortal na condição, na voz é nume.
Renascem Raphaeis, Phidias renascem;
O magico pincel prodigios vérte,
E em milagrosas mãos a pedra vive.

Tu tambem, raro dom, tu, dom lustroso
De exprimir as paixões, de erguer á vida
Claros heróes, que no sepulchro dormem;
Tu, ante quem o avaro impetos sente
De ir desaferrolhar thesouro inutil,
Malfeitor coração detesta o crime,
O que em sangue esparziu compensa em pranto,
E, ou receie o ludibrio, ou ame a gloria,
O mau se torna bom, e o bom perfeito:
Portentosa illusão, que senhorêas,
Que encantas corações co'a voz, e o gesto,
Tu na posteridade aos que te exercem,
Se és d'elles dignamente exercitada,
Classe (e classe não infima) grangêas.

Quanto ao sexo mimoso apura as graças
Est'arte, a mais irmã da natureza !
Congresso espectador ! Vós o sentistes
Quanto aquella, que é hoje objecto amavel
Do publico favor, pintou nos olhos,
Nos labios, nas acções, nos ais, nos prantos
O terror, e a piedade, alma da scena,
O affecto conjugal, e a dôr materna,
Envolta em longos véos da côr da morte !
Benignos corações, hallucinados
De eloquente, pathética apparencia,
Julgastes vêr surgir da morta edade
A esposa de Raul, e em mil suspiros
Mandar o pensamento á sombra amada.
Soaram vivas, lagrimas correram,
Do transporte geral não dubia prova;
E a terna gratidão, sagrado affecto,
Vem tributar-vos sentimentos puros
Na dôce voz da revivente Elisa.

Chega, e vê que espectaculo pomposo,
De illustres cidadãos vê que assembléa
Concorre a proteger-te; ouve que applauso
Generoso te exalta, e vae fundando
Em robusto alicerce a gloria tua.
Os dous formosos dons — temor, e pejo, —
Realces de teu sexo, não supprimam
Da bella gratidão sensiveis mostras.
Solta a candida voz da singeleza,
Que em silencio te escuta um povo egregio,
Um povo, o mais feliz, e o mais amavel
De quantos sobre a macbina terrena
Prodioios immortaes tem dado á Fama;
Um povo submettido a leis macias,
Que a mão de um semideus dos céos traslada,
O povo de João, do heróe, do amigo,
Do pae commum, do bemfeitor da patria,
D'aquelle em que a virtude é só grandeza;
D'aquelle, que de si por nós se esquece;
D'aquelle em cujos dias luminosos
D'entre os fuzis dos seculos dormentes
Rebentam de Saturno os aureos dias.
Enche um sacro dever, e a voz desprende.

ACTRIZ

Excelsa patria minha, espectadores,
Que tanto, e tanto honraes co'a voz, e os olhos
Meus timidos ensaios sobre a scena;
Propicio tribunal, em que é julgada
Débil mulher, que pávida caminha
Por espinhosa, incognita vereda,
Onde o genio talvez, onde o costume
Tambem se desacordam, se extraviam;
Ou tudo vem do ensino, ou vem do exemplo:
Recentes para mim o exemplo, o ensino,
Fertilizar minha alma inda não podem,
Nem conferir-lhe o tom, nem dar-lhe o gesto
Com que um animo em outro se converte.
Mas vejo reluzir brilhante agouro,
Que, afagado por vós, me aponta ao longe
Digna da patria n'um futuro honroso.

Da gloria no horisonte os olhos fito,
E á publica, efficaz beneficencia
Meus dias consagrando, anhélo o tempo
Em que os esforços meus, os meus desvelos
C'rôe mais a razão do que indulgencia,
E eu clame, decantando alta victoria:
«Porque é gloria da patria, estimo a gloria.»

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domingo, outubro 18, 2009 - 21:34

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