Aos Deuses sem Fiéis
Talvez a hora escura, a chuva lenta,
Ou esta solidão inconformada.
Talvez porque a vontade se recolha
Neste findar de tarde sem remédio.
Finjo no chão as marcas dos joelhos
E desenho o meu vulto em penitente.
Aos deuses sem fiéis invoco e rezo,
E pergunto a que venho e o que sou.
Ouvem-me calados os deuses e prudentes,
Sem um gesto de paz ou de recusa.
Entre as mãos vagarosas vão passando
A joeira do tempo irrecusável.
Um sorriso, por fim, passa furtivo
Nos seus rostos de fumo e de poeira.
Entre os lábios ressecos brilham dentes
De rilhar carne humana desgastados.
Nada mais que o sorriso retribui
O corpo ajoelhado em que não estou.
Anoitece de todo, os deuses mordem,
Com seus dentes de névoa e de bolor,
A resposta que aos lábios não chegou.
José Saramago, poeta e escritor português.
Submited by
Poesia :
- Login to post comments
- 3093 reads
other contents of AjAraujo
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Dedicated | Auto de Natal | 2 | 5.037 | 12/16/2009 - 03:43 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | Natal: A paz do Menino Deus! | 2 | 6.749 | 12/13/2009 - 12:32 | Portuguese | |
Poesia/Aphorism | Uma crônica de Natal | 3 | 5.297 | 11/26/2009 - 04:00 | Portuguese | |
Poesia/Dedicated | Natal: uma prece | 1 | 4.151 | 11/24/2009 - 12:28 | Portuguese | |
Poesia/Dedicated | Arcas de Natal | 3 | 7.045 | 11/20/2009 - 04:02 | Portuguese | |
Poesia/Meditation | Queria apenas falar de um Natal... | 3 | 7.922 | 11/15/2009 - 21:54 | Portuguese |
Add comment