Tacões e Paralelos

"Bolas! Parti um tacão!" É já a sexta vez que os paralelos me engolem tacões. E como no melhor tecido a nódoa não se remove, tinham logo que ser os meus LV. Não só perco o tacão, como o sapato por inteiro. Solas, pele, palmilhas, tudo! Eu por uns sapatos quase morreria, mas ao deparar-me com uns olhinhos cheios de rodinhas a crescerem cada vez mais a meu alvo, dispo o pé do LV e entorno o meu corpo manco na beiral do passeio. "Que vergonha! E agora?" Das duas três: ou descalço o que ainda tem tacão, ou vou só com um pé nu. "Precisa de ajuda, menina?" um altruísta qualquer "não obrigada, estou só as descansar as varizes". Uma senhora com gola de algo que teve pais atira duas moedas para dentro do sapato manco. Decidi levantar-me e caminhar com um só sapato. Olhavam para mim como se eu tivesse três narinas, ou pensavam "coitadinha, tão jovem. Para além de pobre é manca". Ainda para piorar o cenário, nesse dia não tinha nada para vestir, a roupa fora retirada do armário na escuridão, só acertei no calçado. Não tive sequer consciência da minha indumentária. As calças teriam dez anos, roídas pelo tempo, pelo meu cão e por alguns detergentes menos dispendiosos. A t-shirt manchada de lixívia e a sua cor outrora azul, era agora um dia de nevoeiro, para além de ter servido de almoço e jantar a algumas traças. Enchi-me de orgulho e fui incerta até casa "Patrício, não fiques a olhar!"

Já perto de casa oiço tísica uma voz masculina "bem, tem uma perna curta, mas em compensação tem a outra comprida". O homem tinha razão. Existe sempre o reverso da moeda ou a faca de dois gumes.