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Queira deus palmeiras verdes

…e ouvia os helicópteros quando ia ao frigorífico.
Abria a porta e lá dentro, ao lado dos iogurtes, morriam palmeiras a um canto verde, bêbadas de uvas soltas arrepiadas em glacê.
Depois já não queria escrever mais.
Arrumava o tempo a juntar ovos, ou lambia talheres enquanto areava os dourados num tricô monocórdico de vida que passa ás meias horas.
A janela quieta aguardava o assento de medíocres passados.
Por ali andava em sala, recortava figuras de silêncio como uma sombra chinesa.
Escondia coisas.
Raramente falava a campainha e desmazelava a reforma em procuras…
Os óculos, os dentes, o cabelo e aquelas novelas oclusas num preto e branco cinzento que faziam faltam à memória.
Gemiam ossos pelo corredor.
Aos domingos, todos os domingos, penteava os cabelos velhos de branco em frente ao espelho do guarda-vestidos.
Senhorio do caruncho que negava ao mogno primário o esplendor do castanho mortiço que falava línguas de um século.
Sentava-se á janela a ver as vistas, arranjada para a missa dos outros no adro contíguo.
Nunca o candelabro…
Porque tinha escondido a luz do amor numa pneumonia sepulcral que tinha o marido na morte.
Num embacio da vidraça riscava o dedo em inverno, último ou lá próximo.
Regava as flores de plástico e comia restos de abandono na carpete.
Cama de tombos e saudades quando o choro lhe tinha alguém descendente no amparo.
Amolgava deste modo as paredes soltando caliça mofada, cansada de ser bengalas.
…e ouvia os helicópteros quando ia ao frigorífico.
Ouvia o relógio de cuco e orações, ouvia poemas em papel de feltro e outras coisas que não acontecem assim.
Ouvia os dias, os carros lá longe por debaixo da janela, ouvia o gato que já não tinha, a primavera, o napalm, o marido a tossir e os filhos a voltarem da escola…
A janela quieta aguardava o assento de medíocres passados.
Embebedou-se de uvas arrepiadas em glacê.
Adormeceu sem ouvir nada a olhar o fim da rua.
Adormecem sem ouvir nada…queira deus palmeiras verdes.

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sábado, maio 8, 2010 - 23:22

Poesia :

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Lapis-Lazuli

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Comentários

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Re: Queira deus palmeiras verdes

E pariu uma lágrima pelos olhos, que até hoje vive em sua descendência, quando a gratidão conferiu-lhe rodas aos pés e sentiu o vento frio no rosto de sua última primavera. Depois disso virou flor e escutou um inflamado discurso barítono ao lado do seu único amor, que já era ossos.

Chorei ao ler...
beijos enormes.

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Re: Queira deus palmeiras verdes

Entristeceu-me. Assim é o poeta, a mexer com as emoções! Abraços

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