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"E o mar guardou a minha alma..." - Conto Completo

Pintei os meus dias com as lágrimas da tua perda, o desenlace de memórias já idas que ainda me sabem aquecer com quem já não tem luz… O mar sempre foi a tua casa, a tua sina, um enorme jardim de novidades que pecava apenas pela amarga distância que desenhava...
Lembro-me de sermos crianças, de percorrermos a praia de São Tiago com os nossos pezinhos rosados brincando e sorrindo como quem não conhecesse outra vida… Sim, havia fome, mas estar ao teu lado me fazia feliz. Afinal, que dizer do amor que nasce tão jovem, da ansiedade de ver os dias passar e ter a oportunidade de estar junto a quem a alma diz mais do que tudo o resto?
Passávamos noites observando as estrelas, fugindo da ânsia de se ser escravo de uma ordem natural, tomando apenas fôlego no ar que cada um respirava, libertando o desejo, tesouro mais valioso do que qualquer furtivo beijo. Cedia-se carícias ao desconhecido, palavras soltas que cada um arriscava tomar como suas, inflamando o peito com um sentimento mais valioso do que qualquer tesouro.
Tiveste de te afastar da escola para seguir as ondas do mar, mas o professor que tudo me ensinou, deixou-me vaguear pelas ondas dos seus livros, a inspiração de outros anos que perdurava no papel amarelecido das memórias. Aí encontrei, nos momentos de ócio, outros mundos que esta ilha jamais me poderia dar, embora soubesse que apenas o teu coração, apenas a tua alma, apenas os teus lábios sonharia para sempre tocar.
Os nossos antepassados tinham também conhecido esse mistério que é contemplar o oceano, o desejo de mares intempestivos atravessar e conceder um futuro melhor à sua prole. No entanto, não se conseguia avistar muito mais do que a incerteza de possuir um parco quinhão para sobreviver, à descarnada mão da Morte resistir, e chorar as perdas de quem Neptuno quis engolir.
Não me sabia tão louca ao ponto de querer morrer por ti até o momento que, após casarmos, vi-te partir com outros para a pesca e a angústia apoderou-se de mim como uma vil serpente entrelaçada na minha garganta, a brusca perda de raciocínio, a mísera sensação de que a vida não mais seria a mesma…
No entanto, voltaste… Dias após dias de ávida contemplação, os mares tinham trazido de volta aquele, e apenas aquele, que conseguia aquecer o meu coração. Lembro-me do quanto te acariciei, do quanto evoquei a beleza do amor que os teus olhos me diziam…
Nessa primeira noite, festejámos o regresso, como apenas os amantes o sabem fazer, o orgulho que toca a todos que sentem prazer em glorificar a vida com a melodia de corpos em combustão. A ilusória tragédia vagueava já longe, a riqueza de todos os que partiram e que regressaram sem haver uma alma que tivesse de pedir à deusa das trevas imemoriais, perdão…
Oh, se bem me lembro do quanto éramos felizes nos dias de regresso de quem para o mar tinha partido. Havia fartura nos nossos olhares, comida nas nossas mesas apesar da pobreza instigar a sua poeira sobre as nossas cabeças.
Éramos felizes… Sim, eu e tu éramos felizes! Os nossos dois filhos nasceram da união de duas almas eternamente jovens que brincavam lado a lado nos sonhos mais doces que alguma vez poder-se-ia sonhar. Não era a riqueza material que via nesse reino enevoado mas sim o terno cendal que resplandece saúde, felicidade e bem – estar, todo o manancial de quem deseja ser apenas feliz e não se preocupa com qualquer glorioso metal.
Pois, apenas sonhos… De tempos a tempos, a tragédia acostava à nossa praia e todos choravam a perda de mais um guerreiro do mar, um dos que arriscavam a sua vida pela vida de outros, por um futuro que tivesse mais do que cinzentos à mistura com o negro da perdição.
Quantas vezes, à noite, chorava por saber-te longe de mim! Os meus olhos nada mais eram do que cascatas de soluços e melancolia, tristeza e tão dolorosa apatia. Quantas vezes observava as estrelas à procura de alguma que pudesse afastar a dor, dizer se o meu amado estava vivo, se voltaria para mim… Rezava muitas vezes em casa, outras na Igreja da Nossa Senhora do Socorro, tudo na esperança que o bondoso Deus me trouxesse de volta a quem mais amava, por quem o meu peito chorava…Uma vela acesa para que a paz reinasse na nossa casa…
Não sabia contar tão bem os dias quanto as lágrimas que deitava, pois esses mostravam-se dolorosamente pouco apelativos e o meu coração já não conseguia ver diferença nos véus que o Tempo evocava. Sabia apenas o quão importante era o teu sorriso e, se as minhas lágrimas tivessem o condão de te trazer a mim, que te trouxessem por não desejar a Vida sem ti…
Infelizmente, nem tudo é permitido ao desejo, pois chegou cedo o momento em que a minha dor tornou-se certa que nunca mais cicatrizaria… Não regressaste ao teu porto de abrigo nem ao teu local de nascimento, pois a Vida já não te insuflava riso nem as tuas faces eram mais rosadas… Perdido por entre as vagas como se um inocente merecesse tal castigo…
Assim, as cores da minha vida tornaram-se as lágrimas que derramei, não mais a alegria como certa, não mais a luz ao meu redor… A partir do momento que soube da tua morte, apenas um melancólico pesar me restou…
Deposta perante o mar imenso, escrevo estas saudosas palavras de amor… Tenho-te no meu coração, e estas palavras, que coloco numa garrafa esperando que te encontrem, e este coração, enfraquecido e já destituído de brilho, apenas a quem amo importam…
Abatida perante um íngreme precipício, observo, com olhos turvos, o manto líquido que cobriu-me em profunda consternação… Não contando os passos para a morte, tenho apenas a certeza que devo calar a Saudade, pois o Amor nem a Eternidade poderá apagar…

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sábado, abril 4, 2009 - 22:29

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Solitudinis

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Comentários

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Re: "E o mar guardou a minha alma..." - Conto C...

Pintei os meus dias com as lágrimas da tua perda,

Lindo!

gosto bastante. bjo :-P

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Re: "E o mar guardou a minha alma..." - Conto C...

Tenho uma cumplicidade com o mar (confesso)...algo inexplicavel ou inesperado sempre que contemplo o mar, que me prende, me envolve. ancestral este estado d`alma? talvez!! Assim foi ao ler este conto.

beijo

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