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O olho de HOrus
O olho de HOrus
Florença, quente e húmido fim de tarde, quase noite, Nas mãos delas, unhas rebeldes em luz fosca de velas, circulava e rodopiavam, dir-se-iam de plantão plantadas em rua vilã ou viela apagada e soturna, as muitas videntes, novas e velhas.
À volta de bolhas de cristais translúcidos, mariposas esvoaçam enquanto sons abafados intangíveis criavam uma atmosfera densa, fragial no ritual das videntes da Florença fim de tarde, sentia-se em casa e avança, por entre aquela multidão que dança em rodas de bruxas, feiticeiras, alguns turistas e carteiristas ítalos, caminha alheio e defronte dele abre-se a porta da catedral renascentista da cidade, convida-o um monge tapado a preceito a entrar, ele olha para trás sobre os ombros ainda o monge não se tivesse enganado e pergunta-lhe sussurrando:
- quem? Io?
O monge baixa ligeiramente a cabeça em sinal afirmativo.
Os passos ecoam na Basílica, o esvoaçar de uma coruja perto do altar e a luz ambígua e pouca que se esgueira pelos vitrais penetram fundo no espírito de Joel, como se aquele segundo tivesse sido congelado para jamais o abandonar e o perseguisse futuramente fosse para onde fosse na demanda mística que se propusera.
Aquele segundo tinha-o visto de soslaio nas auras de cristal da rua das videntes.
Provavelmente Joel nunca sentira calafrio tão intenso percorrer todo o corpo e fixar-se no fundo das costas, entrara numa imensa galeria de estantes com pergaminhos e escritos antigos, um escrito em hebraico chamou-lhe a atenção, o título “ עינו של אלוהים” (O olho de Deus), exactamente aquele que o monge retirou cuidadosamente e pousou sobre a grande mesa que compunha todo o centro da sala.
Retirou-se lentamente e em silêncio como tinha entrado deixando Joel só na enorme galeria.
Durante o percurso que realizara na Peregrinação a Santiago de Compostela mencionava-o em registos murais e frisos das muitas igrejas mas duvidara da autenticidade do códice, agora tinha-o ali iluminado pela luz vagabunda dos vitrais da catedral.
Símbolos e mais símbolos afluíam aos olhos espantados de Joel, esperava encontrar uma nova definição para a luz e renascia o interesse pelas transcrições que o seu pai anotara décadas antes num velho bloco, só faltava mesmo era dar sentido a todos aqueles gatafunhos.
Agora o céu era maior, caminhava desde muito cedo num descampado tingido com os primeiros laivos da madrugada, desde que partira há quatro dias de S.Jean Pied de Port , subindo as encostas íngremes dos Pirenéus até aqui a Atapuerca atravessara vários tipos de paisagem, vinhas recém-vindimadas ,Carvalhais anãos ,cidades grandes e lugarejos com apenas algumas casas pobres , encontrava-se finalmente no reino das pedras ,no mais antigo domínio que o homem tinha gerado e também o mais inextinguível, magnífico senhor das pedras sentia-se ao calcorrear aquele descampado ,para outros simples calhaus mas para Joel tinham um significado bem mais lapidado, os requintes estavam nas pedras milenares desquinadas pelos pés de quem usufruíra do caminho.
Acossava-o um apetite matinal que o levou a entrar numa taberna a beira da calçada velha, foi servido de pão muito escuros e um copo largo de leite amável pelo sorriso largo de Maria da Luz, (disse-lho detrás do balcão como se fosse o nome mais original do mundo), no olhar encerrava sigilos e os silêncios das sendas, apenas esperara décadas de sorrisos e generosidades servidas com intimidade para revelar finalmente fábulas com pronúncias coincidentes.
O espanto revela-se como numa pedra da roseta nas simbologias que se escondiam nas brochuras amarelecidas, Maria não tinha uma cultura extravasante mas sabia o som dos silêncios e dos sussurros do vento em árvores e caminhares de miles de anos, o mesmo som abafado da rua das videntes de Florença, exactamente os mesmos cheiros e sigilos. Fez-se um silêncio de cera, os conceitos escondidos nos pergaminhos tinham os mesmos prenúncios, dir-se-iam entoados por todas as fecundadas em unanimidade.
Deixou de relacionar os caminhos cruzados nas terras dos “Vera cruz” ou a Itália do renascimento dos senhorios mas com, simplesmente “Maria da Luz”, com o nascimento do Homem perante o Olhar de Deus, a senda da Luz.
Nos apontamentos do pai o triângulo equilátero sediava o suposto olho de horus e a luz expandia-se de um ponto, algures no que lhe parecia um cabo, no fim da terra, mas era uma Luz feminina que ele pressentia, ao contrário de seu pai que sempre julgou ver Deus um homem imaculado em letra Musculada.
A Cidade de Burgos, sentada no fundo do vale, presenteia-se sóbria, com excepção da Catedral de pedra clara, símbolo da riqueza cultivada nas colinas adjacentes
O albergue, minúsculo, situava-se no interior duma capela junto ao centro de Burgos, junto à porta já se acotovelavam alguns peregrinos, no interior decorria uma missa, Joel espreitou pela porta entreaberta, aproximou-se e tentou entender o cochichar de dois encapuzados atrás do altar mas estas falas não figuravam nos idiomas que conhecia, de novo o mesmo sentimento de sigilo no vociferado secreto do sacerdote .
Encimando o púlpito, o mesmo códice, notava-o pelo símbolo cravado em forma de 3 invertido, aparentava os alfarrabios que sem dúvida lhe perseguiam a existência nos últimos anos, no longo caminho desde Jerusalém, passando por Florença e Bruges.
Abismado pelas coincidências deixa-se ficar sentado, pensabundo, no banco do jardim contíguo á enorme catedral, formações de pombos esvoaçam perseguidos por alguns corvos negros que se encarrapitam nos minareis dos altos edifícios causticando com os ralhos os transeuntes alvorecidos e raros daquela manhã dominical.
Poucas porções do seu corpo se encontravam tapadas, a roupa já muito rasgada evidenciava os maus tratos sucessivos infligidos pelas longas caminhadas, pela inclemência do tempo, mas encontrava-se lúcido e sábio como um cão vadio coberto de escaras.
O percurso continuaria por Leon, já mais plano e Samos, (uma outra e mais curta serrania), encontraria porventura as reacções que nestes longos minutos sentados no jardim o pareciam abandonar. Recordou as palavras inesperadas de um monge, em Lhasa transcrevendo um discurso de Budda, proferido sob uma enorme figueira,
Esta, oh monges, é a Nobre Verdade do Caminho que Conduz à Cessação do Sofrimento. Simplesmente este Óctuplo Nobre Caminho; ou seja, Recto Entendimento, Recto Pensamento, Recta Linguagem, Recta Acção, Recta Vida, recto Esforço, Recta Atenção e Recta Concentração.”
“Esta é a Nobre Verdade do Sofrimento. Desta forma, oh monges, com relação a coisas desconhecidas por mim anteriormente, surgiu a visão, surgiu o conhecimento, surgiu a sabedoria, surgiu a penetração e surgiu a luz”
Joel descortinou simbologias proféticas semelhantes, as mesmas palavras do antigo testamento:
“Depois de ter dito isso, Maria Madalena se calou, pois até aqui o Salvador lhe tinha falado. Mas André respondeu e disse aos irmãos:
"Dizei o que tendes para dizer sobre o que ela falou. Eu, de minha parte, não acredito que o Salvador tenha dito isso. Pois esses ensinamentos carregam ideias estranhas sobre a Cessação do sofrimento no êxtase da perpetuação espiritual e física na forma de mulher".
Pedro respondeu e falou sobre as mesmas coisas. Ele os inquiriu sobre o Salvador:
"Será que ele realmente conversou em particular com uma mulher entregando-lhe os ensinamentos carnais e não abertamente connosco? Devemos mudar de opinião e a ouvirmos?
Talvez buda e Cristo fossem uma e a mesma entidade, sob os dedos magros do caminhante o manuscrito revelava-se, finalmente a busca insuspeita dava frutos.
Enquanto o percurso Fluía na Jornada desde o Tibete, Monte Sinai, Jerusalém e Mont-Saint-Michel mencionava-se em inscrições murais de muitas culturas e frisos e credos dos muitos e antigos mosteiros e grutas de anacoretas de tantos e diferentes culturas mas não vacilava a autenticidade do descrito no velho bloco de apontamentos.
(continua)
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Comentários
Re: O olho de Deus
Caro amigo Joel:
Gostei do texto, parabéns.
Um abraço
Melo
obrigado
obrigado