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"A rosa e a madrugada" (Conto-Excerto)

Era de noite e a tempestade trajava estranhas dissonâncias no recinto exterior, velando meandros impróprios para a harmonia que a sala onde me encontrava fazia discorrer. Para além das janelas fechadas, se encontrava o suave bailar dos ramos das árvores mais próximas, a sua desenvoltura perante um manto desigual que dissipava um debilitante feitiço tornando o sorriso como algo que poderia ser fugaz se não fossem certas circunstâncias que me faziam bem.
Vários candelabros estavam dispostos em locais estratégicos da sala como se saudassem a boa aventurança com aquela magia que apenas o requinte de um certo romantismo poderia elevar. A sensação de abrigo vertendo uma fuga para além de todo o dramatismo invocado pelos tétricos dedos do desconforto criado pela chuva, essa gélida aproximação ao abismo, tornava-me esperançoso perante o que as próximas horas poderiam ofertar.
Não sabia o nome da formosa mulher de cabelos louros e olhos verdes que se distanciava da agreste envolvência da Natureza e regia o ar com deliciosas figuras estilísticas, a voz e o piano revendo outros cenários de bom tom onde tudo o que era belo transmitia a serenidade que não se podia encontrar ao percorrer os caminhos ovacionados no exterior.
A sua voz soava como a mais doce melodia de um anjo, a alegre sensação de cortesia perante a suave pintura de sorrisos e expressões de riqueza num véu de sensações inebriantes onde vivia a esperança.
Mal a tinha visto, já a paixão me cortejava, pois cantava uma alegre composição enquanto os seus dedos desenhavam contornos harmonizantes nas teclas do piano, tal sonho de moradias onde se regista a sensação de conforto. Não me lembrava de alguma vez ter ouvido tão majestosa obra mas tocava-me o coração conhecê-la e à sua intérprete e sentia como se não houvesse um outro recanto que merecesse tal divina iluminação.
Parecia-me feliz, a sua expressão de encanto levando-me a sorrir, desejar viver a sua alegria com as palavras que somente a concordância entre artistas poderia disseminar. Sim, também o era embora tocasse um instrumento cujas cordas tinham outro dinamismo.
O violino sempre foi o meu instrumento de eleição, o som que se poderia dele tirar tendo a liberdade de criar alegria ou tristeza, serenidade ou raiva, como se elevasse a alma a um recinto impermeável a todas as propriedades que a crua realidade poderia invocar pois firmava voos ainda mais altos pelos domínios dos sonhos, a majestosidade de se ser andarilho sem casa ao carregar a música que tão bem nos faz.
Encantado por tudo que de tão bela dama surgia, quis deixar os dedos caminhar pelas cordas da minha magia, preparando a alma para acompanhar a dela num outro requinte que somente a paixão poderia inebriar. No entanto, quedei-me mudo, fechando os olhos perante o que de belo a sua beleza compunha como se nada mais houvesse na Arte que pudesse decifrar o que é a riqueza do coração.
Longos momentos passaram e tudo o resto era distante, a voz e o piano sendo figuras impressionantes numa peça de teatro que não precisava de mais alguma personagem, sentindo-me feliz por poder ser contagiado por tudo o que era dela tal como uma folha que voa ao sabor da leve brisa. Era um sonho estar perante tão grande beleza e não desejei estar em algum outro lugar ou momento do que esse.
Ahhh A verdade é que a alma pode aprender com a harmonia a ser altiva, libertar delicadeza atrás de delicadeza mas, mesmo assim, o que nos atrai também pode consumir o conforto quando existe uma certa concordância com o que de mais trágico a Natureza concede. Ao silenciar a voz e o piano, o seu choro foi também a angústia no meu peito…
Abrindo os olhos, senti um aperto que me constrangiu a deixar as lágrimas escapar, a minha face sendo banhada pela mesma dor que sentia em tão divina mulher como se tudo o que pudesse nela ver e sentir sempre encontrasse eco em mim.
De modo a fazê-la sentir um pouco melhor, decidi-me a cortejar uma rica melodia no meu violino. Esta, embora não sendo alegre não tinha muito a ver com a tristeza, ficando-se pelo desejo de encantar as lágrimas a se quedarem mudas, uma forma de mostrar que existe algo mais do que a importância dada à angústia.
Primeiro, a sua expressão teve laivos de surpresa, depois aproximou-se da confusão e, finalmente, de um certo arrepio.
- Johan? – proferiu – Johan, és tu?
Não me conhecia por tal nome. Aliás, não havia nome para mim mas deixei de tocar e, após colocar o violino e o arco em cima de uma mesa, aproximei-me dela.
- Não pode ser!!! – uma expressão de incredulidade se desenhando na sua face perante a minha presença.
- Desculpai-me, bela dama, mas não sei quem me julga ser. Infelizmente, não me lembro do meu nome.
- Sou… Mas não te lembras de mim? Mas… Não pode ser! Johan! Sou eu… Sunnya… Mas isto é impossível… Johan não mais existe… está morto!
- Fico triste por o saber… Talvez me pareça muito com quem conhecia mas, como pode ver, estou vivo.
- Sim, vivo… No entanto, toca violino como o Johan tocava, a composição que me deu a conhecer sendo uma que ele compôs para mim e… como é que entrou aqui? Será possível que a tragédia que aconteceu tenha sido um horrível pesadelo perpetrado para me fazer encontrar o desespero???
- Não sei… Não poderei responder a nenhuma das suas indagações…
- Mas eu o vi… morto… Quem o assassinou ainda não foi possível descobrir embora já se tenha passado um ano… exactamente hoje.
- Não sei… Não me lembro de nada… Sinceramente, nem sei quem sou…
- Só podes ser Johan… Só podes ser o meu amado, aquele a quem dei tudo que me pertence… corpo, alma e coração… E, no entanto, se assim o for, tal significa que não estás vivo mas que és invariavelmente… um fantasma!
- Não acredito nisso! Sinto-me vivo… o coração batendo, as emoções transcorrendo pelo meu ser pois, desde que a vi, fui acometido pela surpresa, paixão, delírio e, agora, tristeza…
- Ninguém é mais triste do que eu a partir do momento em que conheci a dor por saber que, quem amava, já a este mundo não pertencia… Vejo-o e, em tudo, é igual ao ser que me trouxe tamanha felicidade com a sua presença. O rosto, o cabelo, o corpo… Meu Deus!!! Os seus pés!!!
Olhando para baixo, pude ver, para meu espanto e horror, que os meus pés estavam uns centímetros acima do solo. Apesar de tudo o que pudesse sentir, a minha condição era exactamente como a de qualquer fagulha que acredita estar prestes a se extinguir… não fosse eu já uma que via a sua existência como névoa. Talvez fosse verdade… ter sido, em tudo, o amado de Sunnya e a minha existência terminado em violência.
Estava prestes a encontrar, uma outra vez, os seus olhos e lhe perguntar mais algumas coisas de modo a, se possível, me lembrar da minha vida quando, tomado pelo terror, vi a dantesca figura de uma outra mulher, cujo corpo traduzia a fealdade em laivos incomuns por estar completamente desfigurado, se aproximando da jovem. Na sua mão direita, via uma adaga que parecia prestes a ser cravada naquela que merecia toda a justa paixão.

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segunda-feira, março 23, 2009 - 22:14

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Solitudinis

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Comentários

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Re: "A rosa e a madrugada" (Conto-Excerto)

Pensei que fosse menos longo.
prefiro quando és tu a dedilhar..

bjo :-?

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Re: "A rosa e a madrugada" (Conto-Excerto)

Acho que num comentário anterior afirmei não simpatizar muito com excertos, se não o disse, digo-o agora: " não tenho muita paciência para esperar pelo próximo". No entanto, sempre acabo por os ler, por ler-te e, no teu caso particular acabo mais ou menos por os comentar apenas por um motivo muito simples: o poder " metafísico ( não me ocorre melhor termo) da tua escrita, prendeu-me desde a primeira leitura, prisão essa que se deve à precisão/definição/imaginação envolvente, que gera o mesmo "choque", tira-me a compostura e volto sempre a ler-te,ansiosa, rendida à tua escrita...onde já se viu?? Tinha que o dizer.

Beijo

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Re: "A rosa e a madrugada" (Conto-Excerto)

Agradeço as tuas palavras de consideração para com a minha escrita:)))
Faz-me sempre bem quando alguém que nunca antes me conheceu diz algo de positivo em relação ao que escrevo:D Só espero que alguma das dezenas de editoras portuguesas e brasileiras, para quem enviei três livros no final de Julho do ano passado, os queira editar. Assim tu e outras pessoas já poderiam ler tudo o que já escrevi e, com o Tempo, tudo o que estou ou irei escrever... A ver vamos ^-^
Desejo-te tudo de bom e que a tua maravilhosa escrita tenha sempre a audácia de pintar o papel:))))***

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