A palavra em armas (Rubén Vela)

I
A palavra em armas
sua pertinaz veemência
seu penetrante ardor
sua insolente
                   sua incômoda
                                      simplicidade.
A palavra em armas
tem o sono leve
desperta em qualquer momento
levanta-se
toma a vida em suas mãos
faz sair o som
ou provoca o dilúvio.

Com elementar rudeza
acontece em si mesma.
Alegra-se
criando a fraternidade.

É uma só linguagem.
É uma velha linguagem.
É a comum e terrível linguagem
dos homens
que souberam ganhar sua liberdade.

(A liberdade deve-se ganhá-la
         como a mulher
         como os filhos
         como a poesia
         como a amizade)

II

A palavra em armas
cresce
na garganta dos homens.

Aqui  ali
rebenta
em estalos
de povos
com saúde.

Reparte
sua sábia medicina
abre seus braços combatentes
assinalando o futuro.

Entrega-se
         em lábios de amor
         de fraternidade.

III

A palavra em armas
constrói de escândalos
seu edifício.

De escândalos certeiros,
                   necessários.

IV

Ver
    a palavra
    pesá-la  calibrá-la.
    irritá-la   violá-la.

A palavra nua.

V

Palavras
       quem as diz?
Palavras
       quem as escuta?

A palavra
       como um osso anterior à língua
       como uma sede anterior à água
       como um sal como um sol
       anterior à espécie.

VI

Vastos   desertos
       incendiados pela palavra.

Infinitos   espaços
       descobertos pela palavra.

A brevidade humana
        salva
        pela palavra.

VII

E as contradições.

Palavras
         para o amor
         palavras para nascer
         palavras para viver
         palavras para salvar
         de morrer.

E também
palavras
         para ferir
         para matar
         para confundir.

Quem profana a palavra?
Quem fere?
Quem mata?
Quem confunde?

Não o poeta
não o homem coletor
dos formosos frutos
não o artesão
da preciosa ferramenta
não o gravador de sede mais antiga
não o solitário
         mais cheio
         mais repleto
         mais habitado
         deste mundo.

Esta não é sua voz.
Não é a voz do poeta.

VIII

Para que serve a palavra?

Para revelar ao homem
sua perdida
         dimensão humana.

Para devolver-lhe
seu Reino nesta terra.

Ou mais simplesmente
para tornar melhor o homem.

Melhor para quê?

Para incendiar-se
nesta paixão comum
e tão diferente

este exercício cotidiano
que se alimenta de amor
a cada instante.

E que é esse amor?

É
estar na casa do homem,
viver na casa do homem.

Ser esse homem.
       Ser todos os homens.

IX

A palavra em armas
que tem cabida somente
em nós mesmos.

Nós,
nosso próprio alimento.

Nós, a palavra.

Rubén Vela (1928-), poeta e diplomata argentino, nasceu em Santa Fé, em 1928. Obra vasta e reconhecimento de sua obra em muitos países, inclusive no Brasil, onde foi condecorado. Iniciou na poesia com o livro “Introducción a los dias” (Buenos Aires: Botella al mar, 1953).
Poema traduzido por Bella Josef.

Submited by

Friday, January 17, 2014 - 23:01

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

AjAraujo's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 5 years 51 weeks ago
Joined: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Login to post comments

other contents of AjAraujo

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Poetrix Poemas - de "Magma" (Guimarães Rosa) 2 23.427 06/11/2019 - 11:48 Portuguese
Videos/Music Ave Maria - Schubert (Andre Rieu & Mirusia Louwerse) 1 44.780 06/11/2019 - 11:02 English
Poesia/Fantasy Cabelos de fogo 0 4.183 04/28/2018 - 21:38 Portuguese
Poesia/Dedicated A criança dentro de ti 0 3.037 04/28/2018 - 21:20 Portuguese
Poesia/Thoughts O porto espiritual 0 4.016 04/28/2018 - 21:00 Portuguese
Poesia/Dedicated Ano Novo (Ferreira Gullar) 1 3.205 02/20/2018 - 19:17 Portuguese
Prosas/Drama Os ninguéns (Eduardo Galeano) 0 3.845 12/31/2017 - 19:09 Portuguese
Poesia/Dedicated Passagem de ano (Carlos Drummond de Andrade) 0 4.500 12/31/2017 - 18:59 Portuguese
Prosas/Contos Um conto de dor e neve (AjAraujo) 0 5.485 12/20/2016 - 11:42 Portuguese
Prosas/Contos Conto de Natal (Rubem Braga) 0 5.200 12/20/2016 - 11:28 Portuguese
Prosas/Contos A mensagem na garrafa - conto de Natal (AjAraujo) 0 6.120 12/04/2016 - 13:46 Portuguese
Poesia/Intervention Educar não é... castigar (AjAraujo) 0 3.263 07/08/2016 - 00:54 Portuguese
Poesia/Intervention Dois Anjos (Gabriela Mistral) 0 5.976 08/04/2015 - 23:50 Portuguese
Poesia/Dedicated Fonte (Gabriela Mistral) 0 4.147 08/04/2015 - 22:58 Portuguese
Poesia/Meditation O Hino Cotidiano (Gabriela Mistral) 0 4.975 08/04/2015 - 22:52 Portuguese
Poesia/Thoughts As portas não são obstáculos, mas diferentes passagens (Içami Tiba) 0 4.963 08/02/2015 - 23:48 Portuguese
Poesia/Dedicated Pétalas sobre o ataúde - a história de Pâmela (microconto) 0 6.041 03/30/2015 - 11:56 Portuguese
Poesia/Dedicated Ode para a rendição de uma infância perdida 0 5.766 03/30/2015 - 11:45 Portuguese
Poesia/Sadness Entre luzes e penumbras 0 4.246 03/30/2015 - 11:39 Portuguese
Poesia/Sadness No desfiladeiro 1 6.409 07/26/2014 - 00:09 Portuguese
Poesia/Intervention Sinais da história 0 4.230 07/17/2014 - 00:54 Portuguese
Poesia/Fantasy E você ainda acha pouco? 0 5.218 07/17/2014 - 00:51 Portuguese
Poesia/Aphorism Descanso eterno 2 5.635 07/03/2014 - 22:28 Portuguese
Poesia/Intervention Paisagem (Charles Baudelaire) 0 5.419 07/03/2014 - 03:16 Portuguese
Poesia/Meditation Elevação (Charles Baudelaire) 0 5.346 07/03/2014 - 03:05 Portuguese