ENDECHA - Gil Bertho Lopes

Sobre a cama de ébano, um corpo combalido
Dorso rasgado
Homem ébrio - adônis
Rosto bem escanhoado - corpo esguio, hercúleo
Esculpido com esmero pelas mãos do criador
Cabelos acobreados
Os lábios, antes escarlates, agora pálidos como manhãs sem sol
Falo vultoso, para o deleite das bacantes despudoradas

Sobre o criado-mudo, o elucidário
Pesadas páginas moviam-se ao sabor da corrente eólica
Do peito enrubescido
Púrpuras gotas de sangue
Manchavam o edredom enxadrezado
No quarto, uma nuvem de insetos
Preenchia de zunido o odor acre

A multidão anônima exclamava ao pé da janela:
“Despudorado!” “Libertino!”

Em meio aos gritos
Do canto da rua um olhar extático, amofinado
Eram soluços secos a desnudar a alma afetada
Nada havia que pudesse afugentar aquela misteriosa presença
De repente um grito, um lamento
O voar das cortinas
Um vulto no silêncio.