O Colar
Tirei-o quando fui lavar as mãos. Não sei porquê, sentia-me mal e tirei-o. E ele ali ficou, na casa de banho, a olhar para mim como que a tentar relembrar-me das palavras inscritas nas suas costas. Mas eu não peguei nele até daí a 24 horas. 24 horas sem aquelas palavras ao meu peito.
Tinha adormecido e acordei tarde. Eram 14:00. Levantei-me, fui à net ver se recebi actualizações, comi e mais nada. Nada. Fiquei na cama a tentar desmistificar esse nada como se o nada fosse a minha nova religião. E como religião que é nada me disse. Ficou ali, a pairar... Estava a desesperar. Concerteza já se sentiram assim. Olhando para o vazio tentando que nada seja tudo. Tentar de todas as maneiras encontrar uma maneira de se divertir, iludir, sonhar... Mas aquele vazio volta sempre. A realidade volta sempre. Já nada me fazia sorrir, não conseguia comer e só desejava poder sonhar outra vez. Poder chorar como fazia quando tinha 14 anos e a vida era cheia e fácil. É quando já não se consegue chorar que percebemos que deixámos de viver. Crescemos. E contra isso nada podemos fazer. Tinha um comboio às 17:00h porque eu tinha que voltar. Voltar àquela terra que nunca gostei e que nunca aprendi a gostar. Mas não podia apanhar aquele comboio. No estado em que estava ainda apanhava o comboio para o além. Não conseguia arranjar forças para caminhar, para socializar, para fazer. Tudo o que queria era esquecer. Esquecer para viver. De repente lembrei-me. A viagem. Uma viagem mágica longe do nada e dos meus pensamentos, longe daquela terra de cínicos e mentirosos, longe de tudo aquilo que me tinha convencido que era aquela escola, longe da realidade e cheia de sonhos. Tinha que conseguir partir naquela viagem...
Entretanto, o colar observava...
Mandei uma mensagem à responsável pela viagem. Escrevi-lhe que precisava desesperadamente de ir pois já nada me fazia sorrir, tudo era nada e talvez era aquilo que me podia fazer voltar a sonhar e a iludir. Lá iriam meus verdadeiros amigos que eu amo do fundo do coração, pois são verdadeiros. Eram eles que me ajudariam. Precisava deles. Assim disse eu à encarregada da viagem. Levantei-me da cama, olhei para a janela e esperei. 10 minutos depois nada. Como os meus pensamentos. Fechei os estores até acima, fechei a porta do quarto e fechei-me na cama, juntamente com a minha cadela. Assim fiquei eu abraçado a outro ser que não humano como é meu destino. Não via nada. Escuridão total. Quando não há diferença entre abrir os olhos e fechá-los de que vale viver? Tudo o que eu queria era sonhar. Sonhar para viver. E assim adormeci.
Acordei e reparei que tinha 3 chamadas não atendidas da responsável pela viagem. 3 nozes não agarradas. 3 oportunidades perdidas. Apetecia-me chorar, torcer-me para ver se ainda restava alguma água em mim. Levantei-me para ir à casa de banho sem coragem para enfrentar o espelho. E lá estava ele. O colar. Foi aí que me apercebi que não o tinha. Parecia que me queria dizer algo mas não liguei. Agora sem ele estava nu. Eu apenas e não algo com ilusões. Queria ser lúcido sendo eu. E deixei-o. Virei costas e fui-me embora de volta à escuridão. Ao nada.
Horas mais tarde a encarregada pela viagem ligou-me. Combinou um jantar para falarmos. Esperança... já ouviram falar dela? Foi o que tive... e sorri. Como já não fazia há mais de 12 horas. E fui alegre e contente para o jantar. Que grande erro. Depois de lhe dizer que estava muito mal apareço com um sorriso na cara. Escusado será dizer que a decisão foi de não me levar. Teria que acordar às 6:00 para apanhar o comboio com destino ao cinismo.
E o colar continuava a sussurrar as palavras que tinha nas costas...
Acordaram-me. Depois de ter tudo pronto sentia-me... despojado de mim próprio. Faltava-me algo. O colar... Tinha-o deixado na outra casa... Paciência. Eu não precisava dele. Fomos à estação de comboios e a esperança renasceu. Houve greve de revisores e o comboio não iria partir. Mas tudo se resolveu rapidamente. Iria de autocarro. Depois de comprar o bilhete fomos ter ao ponto de encontro da viagem mágica. E vi-os todos. Os meus amigos verdadeiros, aqueles que me iriam fazer sorrir novamente ali estavam. Enquanto os cumprimentava com um sorriso na boca e com uma lágrima no coração o colar gritava as palavras mágicas que ninguém ouvia senão as paredes da casa de banho. E de repente sem aviso ali estava ela. O tempo parou. Literalmente parou. Não sabia o que fazer. O que se faz quando o passado nos bate à porta? Incapaz de nada fazer ou dizer ali fiquei a olhar para ela. Ela murmurou: “Que estás aqui a fazer?” E eu nada disse.
O colar berrava inutilmente contorcendo-se todo tentando que as palavras fossem ter comigo.
Despedi-me do meu passado e da alegria. Daí a 5 horas iria estar com o meu futuro e com a tristeza. Fui para casa. Voltei à casa de banho. E vi no chão o colar exausto. Peguei nele. Virei-o. As palavras “Carpe Diem” marcadas a ferro na sua pele. Era isso que ele me queria dizer. Foi isso que eu não fiz.
O nada é tudo quando se escreve sobre ele. Já tinha saudades de sorrir. De andar feliz. Desta escola. Do colar e das suas palavras no meu peito. No meu coração.
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