GLOSAS LVII

57

Instantes afortunados.

Sacrifiquei á bellezá
Meus dias, e meus cuidados;
Esperava em recompensa
«Instantes afortunados.»

Olhos da branda Marilia,
Olhos no céo fabricados,
Minha fé vos merecia
«Instantes afortunados.»

Mas com meus duros destinos
Impiamente conjurados,
Negaes á minha ternura
«Instantes afortunados.»

Ai de mim ! Vós me pozestes
Na lista dos desgraçados,
Esquivando a meus suspiros
«Instantes afortunados.»

Uma vez compadecidos
Porque não soltam meus fados
D'entre as cadêas do tempo
«Instantes afortunados?»

Não têm ditosos momentos
Os amantes estremados;
São para os amantes frouxos
«Instantes afortunados.»

Os prazeres sobre a terra
Estão de angustias cercados;
Só no Olympo se desfructam
«Instantes afortunados.»

Alma, voêmos da terra
Para os orbes estrellados,
Gosem-sé na eternidade
«Instantes afortunados.»

A vida é uma procella
Onde trovejam cuidados;
São relampagos da vida
«Instantes afortunados.»

N'estes mares da existencia
Continuamente empolados,
São momentaneos Santelmos
«Instantes afortunados.»

Da belleza pende o gosto,
Mais poderosa que os fados;
Concede á mesma desgraça
«Instantes afortunados.»

Ha momentos infinitos
Pela desgraça enlutados;
Escaçamente reluzem
«Instantes afortunados.»

Sceptos, vós não daes venturas,
Sois temidos, venerados;
Mas quanto de vós se alongam
«Instantes afortunados !»

Ouço a voz do desengano,
Ouço da verdade os brados:
Não são partilhas do mundo
« Instantes afortunados.»

Mortaes, ide á natureza,
Fugi dos tectos dourados;
Demandae nos livres campos
«Instantes afortunados.»

Ali o rapido tempo
Sobre peitos não manchados
Sacóde das azas de ouro
«Instantes afortunados.»

Ali prazeres celestes
Sobre a terra são gostados;
Convertem-se em natureza
«Instantes afortunados.»

Á peste geral do mundo
Estão sumidos, vedados,
Nos corações innocentes
«Instantes afortunados.»

A morte negros momentos
Traz á mente dos malvados;
Dos justos conduz á mente
«Instantes afortunados.»

Vivei vós, que em vãos prazeres
Andaes na terra enlodados;
Que eu busco em globo sublime
«Instantes afortunados.»

Face a face enrosco os numes,
Revolvo arcanos dos fados;
Ha para os vates sómente
«Instantes afortunados.»

Quando no horror da desgraça
Vates estão sepultados,
Fabricam na phantasiam
«Instantes afortunados.»

Tempo já Marilia bella
Me deu risonhos agrados;
Vinde a mim por ordem sua,
«Instantes afortunados.»

Marilia com mago riso
Me dá momentos dourados;
Ou tenha o tempo, ou não tenha
«Instantes afortunados.»

Momentos do teu desprezo
São momentos agourados,
E os instantes de teus mimos
«Instantes afortunados.»

Tens os thesouros do tempo
Em teus olhos apinhados;
Elle, a teu sabor, desprende
«Instantes afortunados.»

Quando lateja um sorriso
Em teus beiços nacarados,
Chovem c'roados de flôres
«Instantes afortunados.»

Se nos teus braços morresse
Seriam por mim chamados
Os instantes da agonia
«Instantes afortunados.»

Quero comtigo os instantes
Mais tristes, mais enlutados;
Com outra, meu bem, não quero
«Instantes afortunados.»

Aprende nos teus favores
Quando dos cofres dourados
Extráe a mão da Ventura
«Instantes afortunados.»

Aquelle, que céos, e terra
Do nada tirou formados,
Foi maior quando creou
«Instantes afortunados.»

Submited by

Domingo, Octubre 11, 2009 - 16:15

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

Bocage

Imagen de Bocage
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 14 años 21 semanas
Integró: 10/12/2008
Posts:
Points: 1162

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of Bocage

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia Consagrada/General GLOSAS LV 2 2.957 02/27/2018 - 10:20 Portuguese
Poesia Consagrada/General APÓLOGOS IX 1 3.160 03/24/2011 - 18:43 Portuguese
Fotos/Perfil bocage 0 5.813 11/24/2010 - 00:36 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES XIII 0 4.749 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES XIV 0 7.235 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES XV 0 4.238 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES XVI 0 5.097 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES XVII 0 4.682 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES XVIII 0 5.808 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES XIX 0 4.352 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES XX 0 7.004 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES III 0 5.374 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES IV 0 8.096 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES V 0 4.769 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES VI 0 4.946 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES VII 0 4.981 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES VIII 0 5.257 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES IX 0 4.904 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES X 0 5.674 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES XI 0 4.508 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General FASTOS DAS METAMORPHOSES XII 0 5.633 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPISODIOS TRADUZIDOS VIII 0 5.379 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPISODIOS TRADUZIDOS IX 0 3.413 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPISODIOS TRADUZIDOS X 0 3.029 11/19/2010 - 16:56 Portuguese
Poesia Consagrada/General EPISODIOS TRADUZIDOS XI 0 3.795 11/19/2010 - 16:56 Portuguese