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20

Aqui vamos nós:
que país em tão maus lençóis
é este bem aqui?

Dia ensolarado na capital
do Estado de Calamidade Pública!
Aqui a melhor política
parece ser não se envolver.
A melhor filosofia,
não pensar em nada.
A melhor sabedoria,
nem querer saber.
ÉTICA encolhe – etiqueta.
Beletrística – caligrafia.
Belas artes – bela bosta.
O cordeiro de deus
é só bode expiatório.
A justiça não é cega –
só faz vista grossa.
Só nas férias se perde
mais tempo que no trabalho.
E o único dia de descanso semanal
cai logo no domingo,
o pior dia da semana.

Fumo paia é uma droga.
Esse barato sai caro.
Todo bicho bufa,
tamanduá que leva fama.
Cada macaco no seu quebra-galho!
Nunca se culpam os podres,
o cu da culpa é sempre do verme,
o proletário famélico,
trabalhador gratuito
da reciclagem extrema.
Casamento: só delícias –
do princípio ao sim.
Casar é morrer para o mundo –
e toda mulher sonha
com o homem que se mate por ela.
Casamento é final de telenovela, meu amor.
E solo de música sertaneja
é intervalo pra vinheta da rádio.

Elementais, meu barato –
a Terra de Ninguém,
o Fora do Ar,
a Água na Boca
e o Fogo no Rabo!
A fome com vontade de comer.
E nem sombra de água fresca.
Quanto mais economia,
mais rende o desperdício.
Gente bem é cidadão de bens.
O cúmulo do acúmulo
é não poder carregar –
então é só mandar entregar.
Pra quem mais precisa de certeza
resta só uma certa imprecisão
aqui onde a verdade abunda.
Toda mulher tem dois anos a menos,
todo homem, dois centímetros a mais.
Na sombra da dúvida, não hesite:
não existe bunda sem celulite…
Sem dúvida de sobra
que essa dívida não se cobra.

A VERDADE ESTÁ, MAS NÃO SE ENCONTRA.

A mais vera verdade
e a beleza mais bela s
ão grades da mesma cela –
mas, uma vez na senzala,
o prazer é profaná-la!
Toda verdade pode ser
questionada, negada,
refutada, calada, bagunçada;
toda beleza, conquistada,
conspurcada, pisada, aniquilada!
Pode ser, que assim seja,
feita à vontade, bem à vontade,
com toda força – de vontade!
Só se chega ao sucesso
à força de muito passar vontade.

Mundo sem fé nem cabeça,
pra baixo, as pernas
de papo pro ar, as mãos pelos pés,
de cabo a arranca-rabo,
mas não perca o cabaço por cauda disso.

Morena quem temperou o gosto do travo?
Mulata quem temperou a cor da favela?
Do gosto do favo ao rosto da treva,
quem tem dois, tem um; quem tem um,
não tem nenhum; quem não tem nenhum
já tá em débito ou no cheque especial!

Quem ainda é “impressionável” nos dias de hoje?
E quem é que não está impressionado?
Pobre de quem ri à toa…

Quem é rico sempre aparece.
Notoriedade: só se nota quem tem nota!
Maestro, uma nota preta!
Toda moeda é forte,
desde que se tenha uma fortuna.

Aqui tudo o que tinha valor agora tem preço –
o que já tinha preço tá mais caro.
Ano novo, preço novo.
O valor da vida não pode
ou não compensa ser avaliado? –
questão fulcral do nosso tempo
faminto de eternidade.
O tempo tudo devora –
dois milênios em meia hora –
e corre tanto que nem engorda.
Aqui é sempre quase lá,
mas sempre quase lá
é matematicamente igual
a nunca lá.
Não vê que a cada passo você se torna
tudo aquilo que recusa ser?
Quantos passos serão precisos –
quantos serão em falso?
O que tinha função agora tem cargo,
o que tinha carga tá desempregado,
o que não tem emprego também tem serventia,
o que não tem serventia ocupa lugar na câmara.

O trabalho indignifica,
apêndice só serve para dar apendicite,
siso só serve pra doer,
toda essa porra só serve pra encher o saco.

A existência das regras de etiqueta provam
o quanto a natureza humana é insuportável
para o bicho-que-usa-garfo-e-faca.

Primeiro a salada,
depois a bíblia e o sistema tonal,
os direitos e os sinistros,
os deveres e as dívidas,
uma ideia fixa na cabeça
e os pés bem plantados no chão.
Lugar de livro é na estante,
o carro é na garagem,
criança hoje em dia é dentro de casa,
mas nada de brinquedo esparramado.
E não faz assim que fica feio –
prova de que é a ética
que deriva da estética.

O churrasco ensina
os prazeres da carne.
Carne, a carne é forte:
a moral é que manca das pernas –
será que ela não se manca?
O HOMEM É O ANIMAL DOMÉSTICO POR EXCELÊNCIA.

Valei-lhe santas grades,
fechaduras, alianças!
E dá-lhe continência,
cinto de castidade!

A régua e o relógio –
algemas mais sutis.
A régua, grande símbolo da educação –
com ela os mestres ensinam
a retidão, a medida das coisas,
e, acima de tudo, a reguada!
O relógio, em contrapartida,
nos propõe, como os mitos,
um tempo que viaja em círculo,
e não em linha em reta –
quer que abracemos a eternidade?

Quanta eternidade
será perdida em cada instante?
Até onde irá tanta falta de espaço?
Onde o dito mais ditoso,
onde a chispa do chiste?
Quanto tempo você tem
pra construir seu próprio espaço?
Acorrentado ao seu cristal de quartzo,
Prometeu –
mas não cumpriu por falta de tempo!
Pô, dá um tempo, meu!
Quem põe a mão no fogo pelo ser humano
queima seu filme com o manda-raio.

Os indivíduos na sociedade
são como a água, que toma a forma
do recipiente que a contém –
o ajuste social
não é função do recipiente,
mas uma propriedade física dos indivíduos.

Como diz o novo ditado:
é melhor ser preconceituoso
do que ser viado.
Magister dixit como diz o dito,
e tenho dito et cetera et al.

A memória é só recorte,
consciência é colagem:
control+C e control+V.

De tanto luxo padece o bucho,
de tanto lixo padece o bicho,
que vute, cobra!!! É o saci de patinete!

A única virtude do nosso tempo
será a capacidade de indignar-se? –
você se pergunta,
já com uma ponta de vício.

Razão é o nome que aqui se dá
à capacidade do bicho-que-mora-em-casa
de fazer mais besteiras
que todos os outros bichos juntos –
e ainda achar que isso é certo!
A Razão é a razão pela qual
o bicho-que-pensa-que-não-é-bicho
acredita ser a ponta
do iceberg da evolução,
o que o leva a crer-se um fim
ou uma justificativa
de tudo o que existe,
e a julgar que a única
importância de uma bactéria
é que a evolução precisou dela
em algum passado remoto
para chegar ao que é ele
no dia de hoje do hoje
de hoje mil hojecentos e nojenta e hoje.
Não se acha muito metido não?
Tudo isso parece absurdo?
Mas o que não é absurdo hoje em dia?
A difusão do conhecimento
espalhou a incompreensão
pelos quatro cantos desse mundo quadrado.
Mas não perca a fé
na humanidade
que algum dia conseguiremos
explodir toda esta joça –
o mundo que se cataploft!
Bigue-bangue-bangue gritando
por algum bigue-crunche pelamordedeus.

In dubiis, pro rex –
contra o pecado original
inventou-se a impunidade parlamentar.
Pior que a culpa é a presunção da inocência.

E na bunda, não vai nádegas?
O jogo é só uma metáfora:
a verdadeira guerra
é sempre nas arquibancadas.
Na vida real os times
sempre terminam empatados
e as torcidas, em patadas.

Os animais em extinção
interessam aos caçadores
por estar em extinção
ou estão em extinção
por interessarem mais aos caçadores?

O guia turístico já revelou:
a jaula é para a proteção das feras.
A violência é só para as câmeras,
quando o treinador grita ação!

O detector de mentiras
ainda não explica os motivos
de tanta mentiraiada.

Pode me informar onde fica
o balcão de contra-informação?
Chegou o aparelho telefônico,
e, com ele, os números errados.

Se foi a desconfiança
quem inventou o documento e a assinatura,
como se explica que a confiabilidade
de qualquer negociata
seja inversamente proporcional
à quantidade de papelada envolvida?

O labirinto de vidro:
a saída tá na tua cara,
mas como chegar até ela?
Não, não vale quebrar o vidro.

Os especialistas na alma
tratam a angústia como uma doença,
e não como sintoma
de que tudo está realmente errado –
vão só podando a grande árvore.

Há luz no fim do túmulo?
Um aborto, um suicídio,
um holocausto, um bife,
o que aplacará a ira
dos deuses invertebrados?
A tecnologia, ao invés
de modernizar o homem,
torna-o cada dia mais obsoleto.
É a isso que chamamos evolução?
Não inventaram ainda um botão
pra acabar com a fome?
Mata o homem e come.

Em tanta miséria,
pra tanta discórdia,
nem uma mísera misericórdia?

Só se pode adivinhar
o que vai no coração
do outro pelo abismo
de suas próprias cicatrizes.
Só se pode compreender
a hediondez no seu próprio fedor.

No trabalho científico
a introdução dos objetivos
justificativa qualquer metodologia.
Há décadas os cientistas
falam numa cura para a velhice,
mas minha avó já era velha
e a doença só tem feito progressos.
O suor não fedia tanto
antes dos desodorantes.
O mau hálito piorou muito
depois das propagandas de dentifrício.
Horrível é o sabor do leite
depois da invenção do achocolatado.
O amaciante que a vizinha usa
tem um cheiro tão doce
que a roupa no varal fica
cheia de mosca sentando.

As cáries e os dentistas trabalham
na mesma repartição.
Igreja ou prostíbulo:
qual dos dois lucra mais um com o outro?
É tudo uma zona só!
É próprio dos simplórios
acreditar na versão
mais fantástica dos fatos –
daí a difícil aceitação
das verdades óbvias demais.
Tão claras que cegam,
tanto ululam que ensurdecem.

Alguma clarividência
fizesse ver toda evidência!

No que concerne à opinião,
os tolos preferem
sempre as mais tolas.
Será corporativismo,
ou sensata cautela?
Os conselhos dos otários
lhes parecem mais seguros,
pois cumé que um otário poderia enganar eles?
Errando discitur:
experto crede,
desconfia dos espertos!

O erro mais comum
das pessoas comuns
é a metonímia
do espécime pela espécie –
exemplo não é amostra significativa,
seu vacilão do cagalho!
Para os adaptados,
o sucesso histórico
de uma religião
é prova irrefutável
da veracidade dos seus dogmas –
afinal, deus está sempre
do lado do vencedor.

A santa missa é a peça
de maior sucesso da história –
não sai de cartaz há dois milênios!
Altar é a palavra que se emprega
sempre que palco pudesse
soar pejorativo, mesmo quando
mais pareça um picadeiro.

À peste, à fome e à guerra
já nos habituamos –
um deus quisesse o fim do mundo,
precisaria outros planos.

Beatifica-se o fato
mas enfatiza-se o boato!

Enquanto isso, a família nuclear
faz bomba atômica no quintal.

A família é uma prisão
onde sempre cabe mais um
ou o mundo é que é uma jaula
tamanho família?

Quer maior liberdade
que poder estar preso
onde e como se deseja estar?
Vai ficar querendo!

Pensa que regime semi-aberto
é aquele em que a porta
fica só encostada?
Até a liberdade pode
se tornar uma escravidão –
basta que seja levada
excessivamente a sério.

Da liberdade, um deus-te-livre –
só nunca te prives da tua privacidade.
Só quem és livre como tu
sabe que a liberdade
não serve pra muito –
ou é você que ainda não leu
o manual de instruções?
Liberdade e Igualdade
não são grandezas
inversamente proporcionais?

O anticapitalismo
não será talvez a única
qualidade do socialismo?

Quantas revoluções por minuto
para pôr o mundo
no seu eixo imaginário?
A utopia da construção
de um mundo melhor esbarra,
de um lado, na dificuldade
de se destruir o atual e,
de outro, na possibilidade
de se construir um pior.
Mas reformismo é conformismo –
VIRAR A MESA NÃO VAI MUDAR AS REGRAS DO JOGO!

Tampouco adianta se infiltrar –
no volutábrio da polítitica
os poderes chafurdam mas não soçobra nada!

Aqui nada se arrasa,
nem com tabula rasa.
Quem detém o direito de pernada,
aqui nada de braçada.

Vê se capta, lista:
quer coisa mais pueril do que o dinheiro?
Eu te dou um papelzinho,
você me dá um carrinho;
você me dá um monte de papelzinho,
eu te dou uma casinha;
eu te dou uma moedinha,
você me dá uma chupadinha.

A constatação de que a falta
de dinheiro faz tudo regredir
leva à conclusão ingênua
de que sua abundância gera
necessariamente verdadeiro progresso.

Correm sangue, suor e lágrimas
a essa distância do céu –
só nos pisos superiores
é que correm leite e mel.

Não há nenhum homem para tudo,
há poucos para muito,
muitos para pouco,
mas pra nada que preste,
qualquer um se presta,
se empenha, se vende, se empresta!

Quando não se tem
a aparência de ladrão,
pode-se roubar à vontade.
O bom ladrão é o que faz a ocasião.

Os AUTOS E BAIXOS DA DEVASSA
revelarão por fim
os verdadeiros fins
não pouco lucrativos
dessa ociedade pilantrópica.

Como pudemos deixar a coisa
chegar neste ponto de vista?
Daqui pra lá é suicídio.
Não freie, ou deslizará.
Acelere – devagar.
Ainda não é o fim –
é apenas o declínio.
O balanço é negativo,
mas o saldo não é só déficit.
Também poderia dizer:
o saldo não é só déficit
mas o balanço é negativo.
Nenhuma das duas expressões
me expressou à satisfa.
Esteja – deixe estar.
No final do faz de conta,
tudo acaba sendo, senão
engraçado, ao menos digno
de algum riso, ainda que
de desprezo ou de escárnio.
É possível sorrir após
o quinto ato de todas as tragédias;
senão delas mesmas,
ao menos das lágrimas abafadas
das donzelas, das virgens cem por cento
e das amadas que envelheceram sem maldade…
Que razão ainda se impõe depois de tanto entretanto?
Se a loucura também tem seu método,
talvez os loucos tenham sua razão!
Afinal, qual sintoma será mais grave:
rasgar dinheiro ou dá-lo a um psiquiatra?

Louco aqui é quem come dinheiro,
rasga merda e assina em cima!

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domingo, dezembro 20, 2009 - 01:16

Ministério da Poesia :

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MauroBartolomeu

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