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ELOGIOS XIV

14

O Actor agradecido á Beneficencia Publica

(Recitado no Theatro do Salitre, no anno de 1798)

Interlocutores : THALIA, E O ACTOR

A C T O R

Filha de Jove, tutelar deidade
Dos vates immortaes, dos genios grandes.
Que sobre a scena golpeando o vicio,
Sementes da virtude arreigam n'alma,
E as fezes das paixões lhe extráem com arte;
Oh Musa festival ! Não menos grata,
Não menos util á moral, e á vida,
Meneando o pincel, com que semeias
A critica verdade, o sal, e o riso,
Não menos util, sim, não menos grata
Que a majestosa irmã, desentranhando
Da funda escuridão dos tempos mortos
Exemplos, que do mal nos acautelem,
Ou modelos, que ao bem nos encaminhem:
Os terriveis affectos da grandeza,
Os crimes da ambição, de amor os crimes,
As artes da politiea impostora,
O baque dos imperios derrubados;
Os Regulos, Catões, Horacios, Coaros,
Rivaes dos numes, victimas da patria:
A innocencia aeolá gemendo em ferros,
Ali torcendo as leis protervo abuso;
Ora o justo por terra, ora exaltado,
Ora ovante a maldade, ora abatida;
Já com brutas paixões a humana especie
Submersa no labéo, no horror, na infamia,
Já virtude alteando a Natureza,
Em amplos corações ardendo a gloria,
E, fertil de portentos, conseguindo
Que, envolta no heroismo, agrade a morte.

Assombros de Melpómene sagrada,
Voltaires, Crebillons, ministros d'ella,
Que a attenção subjugaes, o gosto, a mente,
Vós culto mereceis, vós sois eternos,
C 'os outros, que immortaes vos precedêram
D'alta memoria na fragosa estrada !
Mas tu, Plauto do Sena, eximio vate,
Tu, que dos corações sondando o abysmo,
Com vista imperturbavel em si mesmos
Estudaste os mortaes: pintor insigne,
Que o prazer, e o proveito entrelaçando
No engenhoso matiz das ledas côres,
Quaes são, quaes foram debuxaste os homens
Das meãs condições fizeste o quadro,
E ao quadro breve reduziste o mundo !
Tu, que, não pago de instruir co'a penna;
Co'as vozes sazonastes os fructos d'ella,
Tu és credor tambem da eternidade,
Alumno de Thalia ! — E por teu nome
Hoje espero impetrar da casta deusa
Favor, benevolencia, abrigo, influxo:
Hoje que, deferindo ás preces minhas,
Do sacro monte as veigas desampara,
Sáe d'entre o vario circulo brilhante
Das divinas irmãs, do irmão divino,
De Phebo, que revolve, entende os Fados,
E no peito mortal se embebe ás vezes.

Oh Musa, que me attendes, que trocaste
Pelas margens do Tejo as do Permesso,
E no clima gentil, que aromatisas,
Vês luzir florecente amenidade,
Vês tão risonho o céo, tão verde a terra,
Sentes de mil Favonios os suspiros,
A ciciosa turba, que vagueia,
Polindo os ares, namorando as flôres,
Quaes lá no cume excelso, estancia tua:
Digna-te de influir-me activas forças,
Capazes de hombrear com meus desejos.
De ti pende o regrar-me a voz, e o gesto
Para que nem transponha a Natureza
Nas azas de fervor desattentado,
Nem cobarde rasteje áquem da méta,
Roto o véo da illusão. Meus olhos pintem,
Mostrem meus labios a influencia tua,
Agora que esplendido congresso
Magnanimo favor me especialisa,
Geral beneficencia a mim dimana.

Honre os suores meus, oh divindade,
A gloria de attraír mais digno premio,
A gloria de aprazer aos illustrados
Nest'arte de sentir paixões alhêas,
Quasi transmigração a essencia nova.

Ás supplicas mortaes propicía annues !
Feliz meu coração ! Feliz meu rogo !

THALIA

Honrosa gratidão te inflamma o peito,
Da patria o dôce amor te ferve n'alma,
Sagrados, candidissimos objectos,
Que da terra, e dos céos merecem tanto !
Prometto de inspirar-te em honra sua;
Não temas fraquear, terás comtigo
Nos lances, nas acções de mais momento
Não visiveis os manes instructores
D'aquelles que no Tamisis, no Sena
Ao claro nome seus padrões alçaram,
Ou revocando as generosas cinzas
De finados heroes, ou exprimindo
Em caracter menor paixões mais brandas;
Cingidos de tal arte á natureza,
Que a mente, pelos seculos errante,
Oh Grecia ! Oh Grecia ! Teus milagres via,
E o mais em que se apraz a humanidade.
Exerce, actor ditoso, exerce as forças,
Que á patria, de que és filho, estás devendo;
Confia na assembléa espectadora,
Na sublime nação, que afaga as artes,
Que, á virtude, ao saber, e ás Musas dada,
Tambem com mestra mão colheu meus louros.
Lá onde entras não ousam tempo, e morte
Os Ferreiras, os Sás perennes brilham;
Elles no meu thesouro estão velando,

E o genio creador, que os fez eternos,
Mil vezes das estrellas deslisado,
Em lustrosos effuvios se reparte
Por vós, oh lusos vates, que inda á Fama
Dareis com que afadigue as linguas cento,
E a plaga occidental por vós espante
As outras, do renome alheio escassas.

ACTOR

Oh mais que fausto agouro! Oh patria! Oh numes !
Oh deusa protectora ! A teus influxos
Sagrarei por altisonos cantores
De ethereo resplendor c'roados hymnos.

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domingo, outubro 18, 2009 - 21:30

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