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ENDECHAS II

2

A gruta do Ciume

Ha um cerrado bosque
Áquem do abysmo eterno,
Vê-se o vapor do inferno
Nos ares negrejar;

Ali rebentam, crescem
Mil plantas venenosas,
Mil serpes tortuosas
Ouvem-se ali silvar;

Rochedos escabrosos
As nuvens ameaçam;
Rios por elles passam,
Medrosos de os tocar;

Ali tremúla a rama
Do teixo, e do cypreste,
Fermenta estygia peste,
Que as almas vem damnar;

De infestas, roucas aves
O bando ali se acouta,
Que está de mouta em mouta
Desastres a agourar;

As azas não menêas,
Ali, Favonio brando,
Tufões de quando em quando
Só se ouvem rebramar.

Ali umas com outras
As arvores se fecham,
De sorte que não deixam
Do dia a luz entrar:

A custo ali respira,
Cercada a Natureza
De horror, e de tristeza,
Capaz de a suffocar;

Ali, sempre aclarado
Pelo tartareo lume,
Jaz do cruel Ciume
O temeroso lar.

Na aborrecida entrada
Véla a mordaz Suspeita,
Continuamente affeita
A crer, e a recear;

No seio da caverna
A torpe Inveja escura
Phrenetica murmura,
Venenos a espumar:

Sente-se lá no fundo
Da estancia sinuosa
Caterva pavorosa
De monstros ulular:

N'um férreo throno em braza
Reina o Ciume horrendo,
Angustias mil tecendo,
Para os mortaes tragar:

Na mão tem negra taça
Cheia do fel da morte,
Com rábido transporte
Não cessa de arquejar;

Ara fatal ao mundo
Terror n'um canto inspira,
Sulphurea, ardente pyra
N'ella se vê fumar;

N'ella milhões d'amantes
Vão por destino infausto
Ser misero holocausto,'
As vêas esgotar;

Ministro carrancudo
Frio cutélo amóla,
E as victimas dególa
Sobre o medonho altar.

Vós deveis crer, humanos,
Que a descripção, que ouvistes,
É de quem foi tão tristes
Objectos contemplar.

Ah ! Sim, já tenho sido
Pelo tyranno alado
Mil vezes arrastado
Ao horrido logar;

E se eu, mortaes, não pude
Como poderam tantos,
Em sangue, em ais, em prantos
O espirito soltar;

Foi porque Amor cruento
Não quiz que extincto eu fôsse:
Achou que era mais dôce
Morrer do que penar.

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domingo, setembro 20, 2009 - 23:17

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Bocage

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