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EPISODIOS TRADUZIDOS I

A morte de Lucrecia

(Extrahida do Livro o dos «Fastos» de Ovídio)

Cercada pelo exercito romano,
Um sitio pertinaz soffria Ardéa.
Em quanto a dura guerra está pendente,
Em quanto aventurar feroz combate
Teme a prudencia, os chefes, e os soldados
Folgam nos arraiaes em ocio ledo.
N'isto o filho do rei, Tarquinio o moço,
A esplendido festim convida os socios,
E, reinando a alegria, assim lhes falla:
«Agora, que de Ardéa o vagaroso
Assédio que nos detêm, nos não permitte
As armas conduzir aos patrios lares,
Dos toros conjugaes a fé mantendo,
As esposas gentis, que suspiramos,
Suspirarão por nós, serão quaes somos ?»
Já cada qual sem termo a sua exalta;
Accezo pelo amor, cresce o debate,
Nos brindes do liquor fogoso, e puro
A mente, o coração, e a lingua fervem.

Mas eis que d'entre os mais surgindo aquelle
A quem de alto appellido honron Colácia,
«As palavras são vãs, crêa-se em cousas;
A noute nos sobeja, esporeemos
Os robustos cavallos, eia, a Roma.»
O dicto agrada, enfream-se os ginetes
Os sofregos mancebos partem, voam.
Vão da estancia real primeiro ás portas,
Onde guarda nenhum velando encontram.
Entram, colhem de subito engolphada
Em festivo prazer, e em rubro nectar,
Nas tranças com mil flôres desparzidas
A que ao filho em consorcio o rei ligára:
Promptos caminham logo a vêr Lucrecia.
Alvejavam da candida matrona
No fuso luzidío as mãos de neve:
Dispostos ante o thálamo se olhavam
De industriosa têa os brandos fios;
Em torno á luz solicitas escravas
A nocturna tarefa promoviam.
Lucrecia em tom macio, em voz mimosa
D'est'arte lhes dizia, as incitava:
«E' para Colatino, eia, apressae-vos:
Cumpre mandar em breve ao meu consorte
Isto, em que a nossa industria exercitamos.
Vós, que tanto indagaes, e ouvis, soubestes
Quanto ainda se crê que dure a guerra?
Vencida cairás, Ardéa iniqua,
Que de nossos esposos nos separas. .
Tornem, tornem, oh céos!... Mas ai! Que idéa !
O meu é destemido, é temerario,
Tem genio de arrojar-se ao fogo, ao ferro.
Foge-me a luz, o alento, esfrio e morro
Quando entre os inimigos o afiguro!...»
N'ísto o pranto amoroso a voz lhe córta,
Cáe-lhe o fio da mão, e o lindo gesto
Sobre o molle regaço inclina a triste:
Dobram-lhe a graça as lagrimas pudicas,
E mostra um coração egual ao rosto.
Eis o esposo apparece, e «Não receies,
Aqui me tens» (lhe diz). Ella revive,
Ella os braços lhe lança, e longo espaço
Pende do collo amado o dôce pezo.
Em tanto de amor cégo o regio moco
Arde, morre, e lhe attráe, lhe enleva os olhos
A fórma, a nivea côr, e a loura trança,
E o grave adorno, limpido, e sem arte;
A falla o prende, as expressões o encantam,
E o que á vil seducção não é subjeito:
Quanto menos esperas mais desejas,
Mais te affogêas, sequioso amante.
Cantara o nuncio da risonha aurora,
E aos fortes arraiaes os socios volvem.
Atonito, em paixão Tarquinio ferve,
Grosando na revolta phantasia
A bella imagem de Lucrecia ausente,
E ali tudo o que viu mais lindo observa.
«Assim (diz entre si) a achei sentada,
Era o seu traje assim, e a mão suave
O longo, tenue fio assim torcia;
D'esta arte lhe caíam no alvo collo
Aureas madeixas, ao desdem lançadas;
Tinha este modo, estas palavras disse,
Este o semblante, a graça, a côr, e a bôca...»
Como se vê no mar, depois que os ventos,
As azas sacudindo, o flagellaram.
Que, já puros os céos, inda esbraveja
Co'a rispida impressão do horrendo assalto:
Tal, postoque tão longe a bella estava,
O incendio, que ateou, no amante ardia.
Penando, e de paixão desesperado,
Projecta macular com força, e dolo
O thalamo sagrado, o casto objecto.
«O effeito é duvidoso (eis diz o insano)
Porém não se fraqueje, ousemos tudo;
Audazes corações proteje a Sorte:
Os Gábios subjeitei c'o atrevimento.»

Cala-se, e já pendura ao lado a espada,
Já d'um rapido bruto opprime as costas.
Corre, e chega a Colacia o moço ardente
Quando o sol mergulhava o carro de ouro.
O inimigo como hospede nos lares
Do ausente Colatino é logo acceito,
(Que o vinculo do sangue os dous prendia)
A dama com primor o acolhe, o tracta;
Ai que enganada está ! Manda que apromptem,
Sem suspeita do crime, a lauta meza.
Contente do alimento, o somno exiges,
Os lassa Natureza.— Era alta noute,
Na estancia lume algum não scintillava:
Levanta-se o traidor, um ferro empunha,
Vae, manso, e manso, ao thalamo pudico.
Mal que o toca: «Um punhal commigo trago,
Lucrecia (elle lhe diz) eu sou Tarquinio,
Sou o filho do rei.» — Nada responde,
Nem póde responder Lucrecia absorta:
De assombro, de terror jaz fria, e muda;
Mas, como a lamentavel cordeirinha,
Que no tosco redil desamparado
Entre as garras se vê do lobo infesto,
Ante o fero amador Lucrecia treme.
Que fará? Contender, luctar com elle?...
Ella é débil, mulher, será vencida.
Gritará ?... Tem na dextra um ferro o monstro.
Fugirá?... Dura mão lhe aperta o peito,
Não manchado até ali de toque infame.
Insta com rogos o inimigo amante,
Com premios, e ameaços; mas seus rogos,
Seus premios, e ameaços nada alcançam.
«Não cedes, inhumana, a meus transportes ?
Pois (o barbaro diz) hei de arrahcar-te
Com este ferro a vida, apregoando
Que em adulterio vil co'um torpe escravo
Te colhi: a teu lado o porei morto,
E horrenda ficará tua memoria.»
A matrona infeliz, temendo a fama,
A' furia succumbiu do fementido.
Indigno vencedor, para que exultas ?
Será tua ruina essa victoria:
Ai! Quanto ao sólio teu custa uma noute!
Dissipando-se as trévas, apparece
Lucrecia desgrenhada, e qual costuma
Ir lacrimosa mãe do filho á pyra.
O consorte fiel, e o pae longevo
Chama do campo: os dous acodem logo,
Vêm-lhe o luto, e do luto a causa inquirem,
Perguntam-lhe que mal, que dôr a ancêa,
E as honras funereas a quem consagra ?
Ella fica em silencio um longo espaço,
E no véo lutuoso esconde a face,
Soltas em fio as lagrimas formosas.
Consolando-a co'a voz, e com o afago,
Caqui lhe roga o pae, d'ali o esposo
Que falle emfim, que exprima o que padece,
E choram, temem com pavor incerto.
Três vezes começou, parou tres vezes,
E á quarta se atreveu a declarar-se,
Mas sem a vista erguer: «Tarquinio a isto
Me obrigará tambem! (profere a triste)
Eu mesma hei de narrar a injuria minha !
Eu mesma, desditosa, hei de atfrontar-me !»
Conta o que póde... resta o mais... e chóra,
E o pejo lhe affoguêa a face honesta.
O pae, e esposo o crime involuntario
Perdoam. — «Perdoaes ! Eu não.» (diz ella)
E aguçado punhal, que traz occulto,
Co'a melindrosa mão no seio embebe.
Cae aos paternos pés ensanguentada,
E olhando para si, já moribunda,
Para vêr se o pudor na quéda offende:
Este o cuidado da infeliz, morrendo.
Eis junto ao corpo amado o pae, e esposo,
Deslembrados da gloria, e do decoro,
Jazem carpindo o seu commum desastre.
Bruto, que a scena infausta presencêa,
O nome com o espirito desmente:
Do peito semivivo arranca o ferro,
E ali na mão com elle, que distilla
Da victima formosa o puro sangue,
N'um ar ameaçador taes vozes sólta
Do affouto coração:—«Por este honrado,
Por este varonil, egregio sangue,
E por teus manes, que serão meus numes,
Juro ao feroz Tarquinio um odio eterno,
Juro de o proscrever, e á prole infame;
Seus crimes infernaes serão punidos:
Tens oh virtude, assaz dissimulado! »
Ao som d'estes impavidos protestos
Os olhos, já sem luz, ergue Lucrecia:
Meneando a cabeça, approva, e morre.
Sobre funereo leito se colloca
O gentil corpo da heroina excelsa.
O espectaculo triste expõe-se a todos,
E deve a todos lagrimas, e inveja;
Vae patente a ferida; — o denodado
Bruto, vociferando, incita o povo,
E do mancebo audaz lhe narra o crime.
Com a estirpe cruel Tarquinio foge:
Foi aquelle o famoso, ultimo dia
Em que o duro oppressor deu leis a Roma.
Cessa o reinado, os consules se criam,
E as redeas tomam de annual governo.

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domingo, novembro 1, 2009 - 19:35

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