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EPISODIOS TRADUZIDOS V

Descripção do Diluvio

(Traducção de Gessner)

As torres de extranhissima grandeza
Estavam pelas aguas já cobertas,
E a triste, malfadada humanidade
Já não tinha outro asylo, outra guarida
Mais que o cimo de um monte alcantilado,
Que ainda além das ondas assomava.
Soar em torno d'elle os ais se ouviam
Dos miseros mortaes, que em vão lidavam
Por trepar aos cabeços, e abriga r-se
Da insaciavel morte, que, enrolada
Na escumosa torrente, os perseguia.
Eis que desaba em parte a gran montanha,
Eis que a rota porção no mar se abysma,
E na quéda fatal comsigo abate
Quantos ao vão refugio se acolhêram.
O filho cáe d'ali precipitado,
Lançando pias mãos ao páe caduco;
Das maviosas mães no seio amigo
Tenros meninos suffocados morrem;
Pavoroso motim retumba ao longe
Dos homens, e dos brutos, que perecem
Juntos no horrivel barathro dos mares.
Já não restava então mais do que um pico
Altissimo da serra ainda illeso
Do estrago universal. Fanor, mancebo,
* Heróe no coração, pastor no officio,
Para ali conduzira a dôce amante,
Semira d'entre as ondas arrancara,
E, apesar do furor das vagas todas,
O triumphante Amor, Amor piedoso
A donzella infeliz salvou da morte.
Tinham nascido os dous nos ferteis campos
Que banha o longo, celebrado Euphrates.
Fanor entre os que ali se distinguiam
Era o mais abastado, o mais amavel;
Semira a mais gentil, mais virtuosa
Das suas companheiras: os desejos
Tu ias, Hymenêo, satisfazer-lhes,
E o dia de vingança, o dia horrendo
Em que Deus castigar determinara
Do mundo os negros, os nefandos crimes,
Era o mesmo em que haviam de ligar-se
N'um laço deleitoso os dous amantes.
Jazia tudo o mais no bojo immenso,
Nos abysmos do mar: Fanor, Semira
Sós ao geral naufragio sobrevivem.
Em montes a seus pés as vagas mugem,
Por cima das atonitas cabeças
Lhe rebomba o trovão, reina-lhe em roda
Pezada escuridão, cujos horrores
O clarão dos relampagos não rasga
Senão para off'recer-lhe aos olhos tristes
O medonho espectaculo dos mortos,
O miseravel tumulo da terra.
Estreitára Semira o terno amante
Ao peito esmorecido, e melindroso;
Junto a seu coração, trémula, e fraca,
Ella o quer, ella o tem, e assim modéra
O terror em que a põe seus duros Fados.
«Mas querido Fanor (lhe diz Semira),
Já não ha para nós nenhum refugio,
E' forçoso morrer !... Já, já nos cérca
A vingança dos céos por toda a parte.
Não houves o fragor, não vês as serras
Do tormentoso mar ! Não vês, não ouves
Dos raios, dos trovões a luz, o estrondo !
Já não ha para nós nenhum refugio,
E' forçoso morrer... oh morte! Oh morte!
Eras tu quem devia unir-nos hoje ?...
Oh meu Deus! Meu juiz! Eil-a bramindo...
Eil-a que se arremessa a devorar-nos...
Ai! Como se revolve em cada vaga !...
Sustenta-me, Fanor... entre os teus braços...
As ondas... me arrebatam... me arrebatam...
Sustenta-me, querido... eu caio... eu morro...
Ditas estas palavras, cerra os olhos,
Congela-se-lhe a voz, e cáe sem forças
Entre os braços do amante. Elle sem tino,
Já não vê serpear o ethereo fogo,
As ondas já não vê fervendo em serras,
Não vê mais que Semira entregue á morte.
A lassa robustez no mesmo instante
A desesperação, e Amor lhe innovam:
Em seus braços aperta a dôce amada,
D'entre as ondas a arranca, e de mil beijos
Cobre as macias, delicadas faces,
Co'a triste pallidez inda formosas,
E frias, e alagadas dos chuveiros.
«Semira (elle lhe diz), meu bem, desperta,
Esta scena de horror contempla ainda,
Volve ainda uma vez a mim teus olhos,
Dize ainda uma vez que has de, oh querida,
Amar-me até morrer, dize-o, repete-o
Antes que as bravas ondas nos engulam.»
Diz: ella torna em si, lança-lhe os olhos
Cobertos de agonia, e de ternura;
Sobre a destruição depois os firma:
«Oh meu Deus ! Meu juiz ! (exclama a triste)
Já não ha para nós, não ha piedade ?
Ai! Com que furia as ondas vem rolando !...
Que horrorosos trovões!... Oh Deus eterno!
Meu pae ! Meu creador ! Não te commoves !
Não deixas abrandar vinganças tuas !
A.h! Tu, que tudo vês, tu bem o sabes,
Os annos de Fanor, e os de Semira
Iam correndo envoltos na innocencia.
Oh tu, claro exemplar de mil virtudes,
Tu, dos filhos dos homens o mais justo,
Como em fim mereceste... ai desgraçada!
Eu vi, vi perecer todos aquelles
Que faziam tão dôces os meus dias;
Eu te vi perecer, meu pae (que angustia !)
(Que amargosa lembrança!) Eu te apertava
Em meus convulsos braços, tu erguias
Para a filha os pezados, ternos olhos,
E para abençoal-a as mãos piedosas
Quando as terriveis ondas te sorveram.
O que era para mim de mais estima
Me foi roubado, oh céos ! Porém, comtudo,
Nos abysmos, Fanor, sumida a terra,
Presentára a meus olhos as delicias,
As graças do terrestre paraiso,
Se o céo me concedera o possuir-te...
Oh Deus! Oh summo Deus! Não ha clemencia !
Nossa vida innocente nos não vale !
Não poderá vencer... mas, cega ! Aonde
Me leva, me arrebata a minha angustia !
Perdôa, oh meu juiz, meu Deus, perdôa;
Estas murmurações expie a morte.
Quanto a mesma innocencia ante os teus olhos,
Quanto a mesma innocencia é criminosa !»
Fanor aqui susteve a gentil moça,
Que ao repellão do vento ía caindo,
E sustendo-a, lhe diz: «Sim, oh Semira,
Nosso final momento está chegando;
As ledas, as suaves esperanças
De um reciproco amor se esvaeceram :
Eis o termo fatal dos nossos dias;
Porém não acabemos como os impios.
E' forçoso morrer: mas, doce amada,
Além d'esta mortal vida penosa
Vive a gloria, o prazer, a eternidade.
Remontem-se, querida, as almas nossas
Ao Deus seu creador; longe os terrores:
Nós vamos exultar, e agasalhar-nos
No seio paternal do Omnipotente;
Abraça-me, e esperemos nossos fados.
Do centro d'este horror, Semira, em breve
Nossos livres espiritos, voando
Engolphados n'um jubilo sem termo,
Se irão sumindo pelo céo brilhante.
Oh Deus! Oh grande Deus! Esta esperança
Em nossos corações nutrir ousamos.
Elevemos, Semira, eia, elevemos
Enfraquecidas mãos ao nume eterno.
Cabe em frageis, erradas creaturas
Dos juizos de um Deus tentar o abysmo ?
Aquelle, que nos deu co'um sôpro a vida,
Que póde quanto quer, prepára, e manda
A morte ao criminoso, a morte ao justo.
Venturoso o mortal, feliz quem sempre
Da virtude trilhou, seguiu a estrada !
A vida já, meu Deus, te não pedimos,
Execute-se em nós tua justiça;
Mas accende, affervóra esta esperança
De um bem, de um alto bem, summo, ineffavel,
Vedado á turbação, e horror da morte.
Brama então sobre nós, trovão medonho !
Devorae-nos então, sanhudos mares !
O sancto, o justo Deus seja exaltado,
E ultimo sentimento, ultima idéa
De nossos corações, de nossas almas
Seja seu nome, sua gloria seja.»
O jubilo, e valor asserenaram
O rosto de Semira, e no seu rosto
Os lumes immortaes da divindade
Como que já luziam. — «Sim (diz ella,
Alçando para os céos as mãos mimosas)
«Eu te sinto, dulcissima esperança,
Louvemos o Senhor. Vertei, meus olhos,
Lagrimas de alegria, até que a morte
Com a gélida mão venha cerrar-vos.
Uma gloria sem fim por nós espera.
Vós, parentes, vós, pães, delicias nossas,
Arrancados nos fostes, mas em breve
Nos vamos novamente unir comvosco.
Dos justos, oh meu Deus, está cercado
Lá no cume dos céos teu throno augusto:
Tu de todas as partes do universo
Os congregas, Senhor. Fervei, oh raios,
Inchae-vos, escarcéos, brami, oh ventos !
Vós sois, vós todos sois da inevitavel
Justiça eterna os canticos, e os orgãos.
Abraça-me, querido... olha... esta vaga
Escumosa, e feroz... nos traz a morte...
Abraça-me, Fanor... não me abandones...
Ai!... Já me erguem... as ondas... já me absorvem...»
«Semira (diz Fanor) eu não te deixo,
Eu te abraço, meu bem. Tu vens, oh morte,
Tu vens em fim cumprir nossos desejos...
Graças... mil graças á justiça eterna...»
Assim fallaram, e em abraço estreito,
Tragados pelas ondas, pereceram.

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domingo, novembro 1, 2009 - 19:43

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