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FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - III

AFFONSO HENRIQUES

Ou

A CONQUISTA DE LISBOA

(DRAMA HISTORICO)

SCENA III

Guilherme e Arnaldo

GUILHERME

Em teu semblante
Transluz a viva dôr, que tens no peito:
Arde a paixão fatal, que em vão disfarças.
Misera condição da humanidade !
Duro mortal, que arrosta o ferro, a morte,
Ante uns olhos gentis desmaia, e treme !
Vencer não póde a si quem vence a tantos:
Mais que o furor de exercitos cruentos
Ousa fraca mulher com pranto, e riso!
Por culpa de attractivos seductores
Entre tanta ventura és desditoso:
De uma insana paixão tyrannisado,
Cego escravo de amor, sómes, apagas
Nas sombras da tristeza a luz da gloria.
Desgraçado mancebo ! Ah ! Nunca vissem
Teus olhos o damnoso, infausto objecto
Que a vontade te encanta, e senhorêa !
Nunca das mãos dos seus arrebatasses
Essa dos males teus formosa origem,
Veneno por mil graças adoçado !

ARNALDO

Veneno ao coração, veneno aos olhos,
Veneno que me encanta, e me repassa,
Que mil vidas me dá, me dá mil mortes.

GUILHERME

Oh céos! Tu portuguez, tu responsavel
De assombrosa virtude a Deus, e á patria,
Da lei, que segues, a inimiga adoras!
Zaida, prole de Osmin, prole de um monstro,
De um tyranno infiel, reina em Arnaldo !
Reina em ti, num christão ! E o despotismo
Do barbaro oppressor, que em ferreo jugo
Entre aquellas muralhas tem ligados
Os teus irmãos, os teus compatriotas,
Da filha pela mão tambem te abrange !. . .
Ah! Torna, torna em ti; combate, e vence
O criminoso ardor que te hallueina:
Teme que inuteis ais, téqui sómente
Da causa do teu mal, de mim sabidos,
Levem teu desacordo, e teu deslustre
Aos ouvidos de um pae, de um rei, que te amam.
Diversos interesses, leis diversas,
Odios herdados, a justiça, a patria,
O teu dever, e um Deus teu gosto impugnam:
Que esperas, infeliz, de taes excessos?
Que esperas d'esse amor ?

ARNALDO

Que espero ? A morte.
Do lugubre sepulchro a paz, o asylo.
Sancta religião, se tu não fôras,
Se os decretos de um Deus m'o não vedassem;
Se outro estorvo não visse ás furias minhas
Mais que o geral honor da natureza,
Na presença de um termo inevitavel;
Se da cega paixão no labvrintho
Um resto de razão me não luzisse;
Se de Zaida ao poder não se oppuzera
A voz da carrancuda Eternidade,
Já do sangue, que ferve em minhas veias,
Mortifero punhal tingido houvera.
Não me esquece o dever, a lei que adoro;
Sou christão, portuguez, e heróe sería
Se mais forte que Arnaldo amor não fosse.
Eu me envergonho (oh céos!) eu me horroriso
Do estado a que a paixão reduz minh'alma !
Sei que é labéo, fraqueza, injuria, crime
Este affeeto, este ardor; que sou por elle
Rebelde ao culto meu, e á patria minha;
Pejo, remorso, amor comigo luctam,
Mas sempre no combate amor triumpha.
Senhor dos corações, Ente supremo,
Ah ! Porque tão sensivel me formaste ?
Em vez de um coração tenho um verdugo !
Forças contra as paixões nos foram dadas,
Póde mais a razão que a sympathia,
E aquella me abandona, e cedo a esta !

GUIlHERME

Defeza não lhe oppões, domar não queres
O fatal sentimento; elle é vencivel,
Mas cumpre que a virtude esmere as forças
Na empreza não vulgar: sé resistisses,
D'esse inimigo interno a palma houveras.

ARNALDO

Que bruto, ferreo peito resistira
Ao suave attractivo, ao dôce pranto
Que nos olhos da Zaida me encantaram ?
Parece-me (ai de mim !) que ainda a vejo,
Quando armados os seus a conduziam
A distante logar, seguro asylo
Longe dos muros, que rodeia a morte:
Parece-me que a vejo, ao repentino
Encontro com que a fuga lhe estorvamos,
Estremecer, gritar, caír por terra,
E em breve de cadaveres cercada,
Tinta do sangue alheio, e se mpre bella
Com seus olhos dourar o horror da morte !
Ah ! Quando absorto, extatico, sem falla
Em meus braços a ergui do chão sanguento,
Furor, conternação gentil mistura
De contrarios affectos, em seu rosto
Honrava, ou transcendia a Natureza !
«Christão (Zaida clamou) sou tua escrava;
Meu negro fado o quiz, mas não profanes
Uma infeliz princeza, uma donzella,
Uma filha de Osmin; entre inimigos
Exista ao menos da virtude o laço:
Tua religião te impõe deveres
Quaes a minha me impõe, quaes se derivam
Das generosas leis da humanidade.»
Ouvi-a, e transportado ás plantas suas...

GUILHERME

Para que estás cevando o pensamento
N'essa imagem fatal, que mais te affunda
No abysmo da paixão? Bem sei; mil vezes
Repetido me tens o lance infausto,
Que decidiu tão mal do teu destino:
Teu valor, teus respeitos excitaram
Na bella prisioneira amor fervente,
Mais forte que o dever, que as leis, que o sangue:
Tudo sei, triste amigo, e tudo temo
Do funesto poder de que és escravo.
Condemno-te christão, homem te choro.
Agras exprobrações nascidas foram
Não do meu coração, mas do meu zelo;
Relevar teus excessos é perder-te:
Lucta, lucta comtigo; ou tarde, ou cedo
Paixões fenecem como tudo acaba:
Cuida em accelerar triumpho insigne;
Do objecto, que te inflamma, evita os olhos;
Árdua, cruel, penosa é esta empreza,
Mas digna de um heróe por ser tão dura:
Teu coração se aveze á triste ausencia;
Não gostes do teu mal, não vás nutril-o
Perante as perfeições que o produziram:
O costume de amar captiva, e cega
Os frageis corações a amor propensos;
Roto o jugo ao costume, o peito enrija,
E a custo se recáe n'um louco affecto.

ARNALDO

Principe generoso, em teus conselhos
A singela amisade está brilhando;
Vejo o preço em que tens a gloria minha;
A voz d'alta virtude incontrastavel
Ouço na tua vo.z, porém que importa
Conhecer a razão sem abraçal-a
Inda é mais triste que existir sem ella.
Ali! nem gózo o prazer de hallucinar-me!
Reconheço-me réo, confesso o crime,
Não me sinto porém capaz de emenda.
Mil pensamentos entre si contrarios
Na minh'alma em tropel combatem, fervem;
Qual negro turbilhão, que agita os ares,
Todos, todos de chofre me salteam:
Mas, despojo infeliz de atroz conflicto,
Detesto o meu amor, e adoro Zaida.
Cessa pois, claro heróe, piedoso amigo,
Cessa de presentar-me o quadro feio
Dos desatinos meus, da minha injuria;
Ha de em breve apagal-o a mão da morte;
Em breve arremettendo áquelles muros
D'onde brotou meu mal, farei que brote
Meu socego, meu fim: por ferro, e fogo
A desesperação nadando em sangue
Minh'alma arrancará de meus tormentos;
Soberbos torreões cahindo em terra
Suffoquem meu furor, meu corpo esmaguem;
Nos horrendos montões d'altas ruinas
Se escondam para sempre a dôr, e o crime
De um misero mortal, de um cego escravo
D'esse encanto, a que chamam formosura.
Outros pereçam victimas da gloria,
Eu victima de amor: tal é meu fado;
Não posso resistir-lhe: em vão me acodem
Heroicos, arrojados pensamentos
Ludibrios da paixão que os desbarata.
Minha acerba catastrophe resôe,
Gire de voz em voz minha desgraça,
A causa lastimosa, o triste effeito:
Se applaudido não fôr, serei chorado.
Morrer é pouco, é facil; mas ter vida
Delirando de amor, sem fructo ardendo,
E' padecer mil mortes, mil infernos.
Existir sem vêr Zaida! Ah! Não, não posso
Concordar tanto mal co'a existencia:
Sómente o mudo horror da sepultura
Entra nós erguerá barreira eterna.

GUILHERME

Que proferes, oh céos !. Que desvario
Te occupa o coração, te abrange a mente !
Infeliz, em que trevas, em que horrores
Tão longe da razão te vás sumindo !
Voluntario dispões sacrificar-te
Ao phrenetico amor, que te arrebata?
Teu pae, teu rei, teu Deus bradar não sentes
Dentro do coração, e a Natureza
Sacros direitos seus perdeu comtigo ?
Que! Disseste, affirmaste que o sublime
Titulo de christão só te era estorvo
Ao suicidio feroz, só te arredava
Do amargurado peito agudo ferro,
E assim te contradizes! E rompendo
As leis universaes as leis mais sanctas,
Tentas, projectas espontanea morte!
Lançar mão de um punhal, ou de um veneno,
Ou machinar teu fim por outro modo
Egual crime não é? Não desacata
A Natureza, os céos da mesma sorte ?
Teu nome, que atéqui guardaste illeso,
Queres manchal-o de indelevel nodoa?
Ah! Jura pelo Deus a quem sagraste
Teu braço, teu valor, teu ser, teu zelo,
Jura de abrires mão do atroz projecto;
De respeitares a existencia tua,
Em quanto aos céos, ao heroismo, á patria
Necessario não fôr teu sacrificio.
Lembre-te o gran dever com que nasceste;.
Attenta no immortal, paterno exemplo;
Ou inda mais ao longe estende os olhos:
Venerandos avós, de que precedes,
Nos tumulos erguendo honradas frontes,
Te contemplam de lá, de lá te exclamam:
«Não fujas dos vestígios que trilhamos,
Do sangue dos heróes não degeneres;
Prosegue, aperfeiçôa a vasta empreza
A que os céos te encaminham; doma, expulsa
Do peito um criminoso amor, que o mancha,
Da patria os infieis usurpadores,
Que em barbara invasão a agrilhoaram :
Tua religião, teu Deus t'o ordenam:
Restaura o culto seu, e os seus altares;
Da vil superstição derriba os templos:
Como os teus ascendentes vive, e morre.»
Eis o que elles te dizem: dá-lhe ouvidos,
Seus dictames adora.

ARNALDO

Oh ! pejo, oh furia !
Em dous o coração se me reparte,
E nas tristes porções, que a dôr lhe arranca,
Terriveis sentimentos me atassalbam.
Ali! Mil vezes morrer não é mais dôce
Que este mal, que este horror, que este refluxo
De encontradas paixões com que deliro?
Ah...

GUILHERME

Cessa; para nós dirige os passos
Não sei quem: prende os ais, compõe o aspecto,
Recata o phrenesi, que te deslumbra.

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domingo, outubro 25, 2009 - 18:23

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