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VERSÕES LYRICAS V

Euphrasia a Ramiro

(Traducçao)

Adorado Ramiro, em fim triumphas!
Meu remorso expirou, de Amor sou toda;
De seu facho o fulgor meus passos guia:
O pharol da Razão dá luz mais frouxa.
Repousa a dôce paz dentro em meu peito:
Quem póde, sendo réo, ser tão ditoso?
Criminosa não sou: — do amante o crime
Está no pouco amor, ou na inconstancia.
Para sempre te adoro, a ti me entrego,
Outro bem para mim não ha no mundo,
Nem socego enfadonho; errada eu cria
Que era immortal brazão ser insensivel:
Tu me desenganaste: um brando raio
Solto dos olhos teus, brilha em minh'alma.
Perdôa (caro amante) ao susto, ao pranto,
Aos timidos abraços, que afrouxava
De um dever inventado a turva idéa:
Perdôa aquelles ais, que me voavam
Do seio do prazer; na flôr dos annos
Não é licito o medo, em quem succumbe
Aos transportes d'amor, ás leis d'amante?
Este suave instincto irresistivel
Se converte em temor, antes da posse:
Estes' promptos, e incognitos desejos,
Se as paixões se vigoram, alvoroçam
As molestas lições, com que na infancia
Se vae torcendo o passo á natureza:
O mesmo, o mesmo excesso dos prazeres
Nos enche de pavor: quanto mais vivos
Então mais criminosos nos parecem:
Mas apenas o espirito começa
A conhecer o amor, e a julgar d'elle;
Apenas principia a comprazer-se
Na terna propensão, que os céos crearam;
Apenas este amavel sentimento
Rebenta, cresce, lavra, e se apodera
Das almas, que illudira a voz do Engano.
Eis cessa dos remorsos o rebate,
Eis nos apraz a languida saudade;
Só da ternura as lagrimas vertemos,
Temendo que não seja muito ardente
A paixão, que até ali nos assustava.
Sancta Religião, que trovejando
Espalhas o terror sobre os delictos !
Transportes naturaes, ingenuos, dôces,
Oppõem-se ás tuas leis!... Por mais que imploro
Teu favor, tudo é vão, tudo é baldado;
Tu, sem a converter, minha alma assombras;
Suspiro, e a pezar teu, Ramiro adoro.
Deu-se a Ramiro o coração, que exiges,
Até junto do altar o escuto, o vejo:
Falla-me, insta commigo, arde, e me inflamma;
Podem seus olhos, podem suas graças
O que ameaços teus em mim não podem.
Se inutil resistencia ás vezes teuho,
E' por dar ao meu bem mais um triumpho:
Porque, se em disputar-lhe os meus affectos
Lidas sempre, a victoria é sempre sua.
Dá pois ao coração, que elle domina,
Força para vencer, ou jus ao crime.
O Ente, que a amar induz, o amor perdôa.
Era no arbitrio meu não ser sensivel ?
Por ventura eu sou livre ? Ah ! que ao supremo
Nume adoravel obedeço amando:
Sua eterna justiça eu acredito.
Elle, que move esta alma, elle abriria
Debaixo de meus pés medonho abysmo,
Por ter o atroz direito de punir-me ?
Dir-me-hia ao coração, que amasse o mesmo
Que devo aborrecer?... Não, não, que apenas
Meus olhos se encontraram com teus olhos,
Desusada alegria, antes celeste,
De fibra em fibra salteou meu peito:
Um poder, sup'rior ás forças minhas,
Senti, que o coração me arrebatava
Para o ligar ao teu, ao teu que adoro !
Este prazer sagrado, os meus transportes...
Nunca tanto prazer se uniu ao crime !
Até, para lograr maior triumpho,
Meu disputado amor tem contrahido
As feições, o caracter da virtude.
Quão feliz sou, e com que gloria o digo!...
Amante, o mais amante, o mais amavel
De quantos em ternura o peito inflammam,
Tudo veiu do céo, tudo foi justo:
Alardêa, que pódes, alardêa
Do encanto dos teus olhos — usa embora
De todo o jus, que Amor te deu commigo.
Agora, agora sei que antes de olhar-te
Era a minha existencia egual á tua;
Em languidez opposta á natureza
Sem pena, sem prazer té'li jazia.
O emprego, a rapidez da mocidade
Eu ignorava, e consumia a vida
Em cuidados inuteis; os mais sacros
Deveres sem fervor desempenhava;
Como um duro senhor, como um tyranno,
O Eterno se off'recia á minha idéa,
Sacudindo o trovão, brandindo o raio...
Minha religião só era o medo.

Eu amo: que mudança, que deleite
Doura meus puros, meus serenos dias !
Quanto vejo Ramiro afformosêa:
Quando luz no oriente a fresca aurora,
Acordam meus desejos amorosos;
Quando a noute ennegrece os céos, e a terra,
Nos traz um véo, que é util aos amores.
Nos dias da aprazivel primavera
Reconditos abrigos nos off'rece
Benefica, e risonha a natureza.
Sinto-me renascer, e habíto um mundo
Brilhante, encantador, de que és adorno,
Amor,— que é obra tua... Oh! dôce amante!
Que digo?... Menos asperos e austeros
Acho os deveres meus, acho o meu jugo
Mais brando e não me pezam tanto os ferros:
Deus um feroz despota enraivado
Me não parece já, depois que te amo.

Quanto devo prezar a illustre amiga,
A benigna matrona, em quem reside
D'estes vedados muros o dominio ?
Ella em obsequio meu o horror lhe adoça.
Propicia ao nosso amor, sem que o suspeite,
Ella recompensando os meus desvelos,
O ardor, com que me esmero em agradar-lhe,
Caricias maternaes commigo exerce:
Ella me deu a conhecer um mundo
Em que vi o que adoro; — ella não arma
Das pezadas lições do rigorismo
A sisuda prudencia. Ah! N'outro tempo
Sem duvida seu peito ardeu de amores !
Se não tivesse amado, assim não fõra !
Tudo pune por mim, tudo nos vale,
A sombra do mysterio nos rodêa;
Um deus ha, que preside ao bem do amante.
Teu coração, e o meu só sabem d'isto:
Vivêmos para nós, sem recearmos
Olhos, a amor fataes, que nos espreitem.
Nossos desejos o segredo aviva,
E a subjeição do claustro é mais um gosto.
Quando depois de rapidos instantes
Aos férvidos colloquios da ternura
Com reciproco adeus convêm pôr termo,
Se avalia melhor um bem tão breve.
Ah! que não sabes, não, quanto te devo!
Quanto a minha eleição commigo approvo !
Não fallo já das horas fugitivas,
Que no meu pensamento estão paradas;
Momentos, em que amor só é delicia,
Que se póde sentir, não definir-se.
Uma alma, que á paixão não dá descanço,
Depois d'estes momentos deleitosos,
Inda de ser feliz acha o segredo:
Quando os sentidos meus em ocio jazem,
Viva imaginação, tu vês, tu gosas;
Seu jubilo se extingue, e o teu não morre;
Comtigo meus prazeres se eternizam: .
Thesouros tem amor, que duram sempre.
Na ausencia do meu bem me afferro a grata,
A suave illusão, que m'o affigura;
Mil vezes o nomeio: as cantilenas
De que se agrada mais, são as que entôo,
E, absorto no meu bem meu pensamento',
Ás vezes a illusão suppre a verdade.
Mas que digo? Apparece, attende, acode
A quem por ti suspira, a quem te implora;
Sim; vem realisar meus ledos sonhos !
Sem temor, sem reserva, Euphrasia é tua:
Oh gloria dos mortaes, oh gloria minha !
Nunca mais me ouvirás nem ais, nem queixas.
Não tens que recear senão o excesso
Da paixão, que me abraza; aos céos o juro:
Foce dos braços meus, e n'outros braços
Vae suspirar, meu bem, se eu fôr perjura.

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domingo, novembro 1, 2009 - 18:28

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Bocage

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