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Diálogo sem fim #3
Quero que a minha história seja o mais vaga possível. Que até uma criança a possa ler, sem perceber os feitos mais hediondos que lhe estão intrínsecos. E que um adulto deseje ardentemente ter sido eu, por achar mais do que o que digo.
~
A Moderação assombra-me.
Bebo com ela, fumo com ela, fodo com ela.
O Excesso, inimigo da Regra, ri-se de nós e dos nossos pecados insignificantes. No fim, a Regra vai tomando conta do que é seu porque lho deram.
~
A disse a B: porque não permites então o excesso, a sua voz perpétua indicar-te o caminho, todos os caminhos, por mais dispares que possam ser? Em última análise, todos te levam à destruição. Mas a moderação também te vai matar.
B quis compreender o sentido das coisas e deixou-se ir atrás delas. Disse: o excesso já viveu debaixo do meu tecto. Dormi com ele, possuí-o e ele possuiu-me. Um dia acordei e ele não estava lá. Só percebi depois, quando o procurei. Percebi, então, que me devia ter matado com ele durante uma das visitas nocturnas que me fazia; mas era tarde demais. Veio o medo e a solidão na vez dele. Perdi-me em mim outra vez, mas desta vez sem ninguém para me mostrar o caminho.
~
Chegou o Trabalho. Ilegitimo filho da sobrevivência, descendente directo das Regras. O Trabalho eliminou o Excesso e impôs o Tempo e desfez a Vontade. E o mundo seguiu-o, desejou-o, passou a precisar dele e a lamentar-se – ó, coitados! – se ele faltava.
Antes, havia a liberdade.
Depois, a pressa, o compromisso, a vaidade.
Coitados dos sem trabalho, coitados! Livres esfomeados, pensadores livres sem ter em que pensar.
~
B disse ao Trabalho: não precisarei de ti, ainda que tenha sido abandonado pelo doce Excesso. O meu compromisso é para comigo.
Mas, sem o excesso, o compromisso já não era. Apercebera-se disso depois, quando tentou nega-lo – não conseguiu, já se tinha entranhado. Jurou que nunca mais, todos os dias lhe virou as costas e voltou para ele. Era infeliz e sentia-se a merda toda dos pobres.
Sonhava com o dia em que. Só não sabia o quê. Mas que! era preciso!
Alimentou-se à noite de si, como um vampiro alérgico a sangue. De dia foi zombie para os vivos e nunca pensava no assunto.
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