CASTIDADE DO SOL NO SER

Tento enganar
a inquietude escrevendo.

Pesando e repesando
a castidade do sol no meu ser.

A idade
que me sobra
é um ruído desconfortável,
suscitando confusões de pedra
por entre os cadáveres das árvores
que esmolam a cabeça do meu sono.

Dos pés
grito muralhas gordas
que envelhecem a embriaguez
da minha alma em cânhamo leigo.

Das mãos
sou escravo das crostas do meu rosto,
ladrilhado na torção dos dias que já não conto.

Triunfam cores fétidas
no espelho que me suspende
na sonolência baça desta minha carcaça.

Junto zeros
nas grades sulcadas
em cada gesto de fuga.

Quero desaparecer
no nome de coisa nenhuma.

Existir nas têmporas
imortais dos meus poemas,
sem que se calem as arcadas eternas
de uma alegria que me leve às fontes da vida.

Desato nós paranóicos,
cujo o olho da besta me faz prisioneiro
de um silêncio que caminha nos meus olhos.

Ocupando-me o olhar
em pensamentos de espinhos inextricáveis.

Permanecem agitações
de não ter nada no fervor do meu sangue.

O tempo estorva-se
a ele próprio saqueado
no meu sentir o imaginário
que não se come nem se bebe.

Alimentando
a fome com veneno
que rói e me apalpa o corpo
com remorsos penitentes no vento das noites.

Rejeito a vaidade
que me deixa sem boleia
numa estrada de pernas cortadas,
sem que nada me diga até onde ela me leva.

Não quero
desgastar-me em medos
na multidão que arranha o meu espaço.

Estreito infinito
na razão de ser dos relógios
que já não escuto na boca da luz,
que me engole e mastiga com o tédio
das mesmas esperanças mendigas de sempre.

Submited by

Monday, February 15, 2010 - 01:19

Poesia :

No votes yet

Henrique

Henrique's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 9 years 29 weeks ago
Joined: 03/07/2008
Posts:
Points: 34815

Comments

Nanda's picture

Re: CASTIDADE DO SOL NO SER

Henrique,
O homem feito autenticidade que se desnuda e rejeita a vaidade.
Como sempre, um excelente poema.
Beijo
Nanda

jopeman's picture

Re: CASTIDADE DO SOL NO SER

quando o desconsolo só amena, contudo não desaparecendo, na génese das letras pela mão do poeta.

mto bom

abraço

Anonymous's picture

Re: CASTIDADE DO SOL NO SER

Fica a beleza das palavras para além da tristeza
Gostei muito, Henrique,
Abrao
Vóny Ferreira

HelenaIsabel's picture

Re: CASTIDADE DO SOL NO SER

Olá Henrique,

Muito bonito este poema! Gostei de ler... o medo e a nostalgia que assombra o poeta.

sublime

abraço

Helena

mariacarla's picture

Re: CASTIDADE DO SOL NO SER

"Ocupando-me o olhar
em pensamentos de espinhos inextricáveis."

Deixas que voem, livres como tu, não presos!

Beijinho
Carla

Librisscriptaest's picture

Re: CASTIDADE DO SOL NO SER

Mas a inquietudo não se inquieta através da escrita, exalta-se... O tempo q nos trata como cão q não conhece o dono e se alimenta da mão q o sustenta roendo-lhe os ossos...
Adorei ler, como sempre...
Beijinho em ti
Inês

robsondesouza's picture

Re: CASTIDADE DO SOL NO SER

"Estreito infinito
na razão de ser dos relógios
que já não escuto na boca da luz,
que me engole e mastiga com o tédio
das mesmas esperanças mendigas de sempre."

Bela definição da castidade do sol em nós, Henrique!

Abraços, Robson!

MarneDulinski's picture

Re: CASTIDADE DO SOL NO SER

LINDO POEMA, GOSTEI MUITO!
EM ENTRELINHAS, PARECE-ME QUE O POETA FALA COM SUA VOZ DO CORAÇÃO...

Meus parabéns,
Marne

apsferreira's picture

Re: CASTIDADE DO SOL NO SER

O "pânico" causado, por a repentina
tomada de consciência, de uma realidade,
que é um presente, a caminho de
um futuro, por cuja qualidade
teme-se, transcrito, num
poema, belíssimo.

:-)

IsabelPinto's picture

Re: CASTIDADE DO SOL NO SER

Olá Henrique,

"Quero desaparecer
no nome de coisa nenhuma"

A inquietação do poeta quando sente que a vida lhe escorre pelos dedos e se sente maravilhosamente bem numa simples folha de papel:)

Adorei ler-te!

Bjs
I

Add comment

Login to post comments

other contents of Henrique

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Thoughts DA POESIA 1 8.408 05/26/2020 - 23:50 Portuguese
Videos/Others Já viram o Pedro abrunhosa sem óculos? Pois ora aqui o têm. 1 46.484 06/11/2019 - 09:39 Portuguese
Poesia/Sadness TEUS OLHOS SÃO NADA 1 6.466 03/06/2018 - 21:51 Portuguese
Poesia/Thoughts ONDE O INFINITO SEJA O PRINCÍPIO 4 6.235 02/28/2018 - 17:42 Portuguese
Poesia/Thoughts APALPOS INTERMITENTES 0 6.286 02/10/2015 - 22:50 Portuguese
Poesia/Aphorism AQUILO QUE O JUÍZO É 0 6.228 02/03/2015 - 20:08 Portuguese
Poesia/Thoughts ISENTO DE AMAR 0 6.953 02/02/2015 - 21:08 Portuguese
Poesia/Love LUME MAIS DO QUE ACESO 0 6.587 02/01/2015 - 22:51 Portuguese
Poesia/Thoughts PELO TEMPO 0 5.304 01/31/2015 - 21:34 Portuguese
Poesia/Thoughts DO AMOR 0 5.016 01/30/2015 - 21:48 Portuguese
Poesia/Thoughts DO SENTIMENTO 0 5.096 01/29/2015 - 22:55 Portuguese
Poesia/Thoughts DO PENSAMENTO 0 5.494 01/29/2015 - 19:53 Portuguese
Poesia/Thoughts DO SONHO 0 4.473 01/29/2015 - 01:04 Portuguese
Poesia/Thoughts DO SILÊNCIO 0 5.836 01/29/2015 - 00:36 Portuguese
Poesia/Thoughts DA CALMA 0 5.303 01/28/2015 - 21:27 Portuguese
Poesia/Thoughts REPASTO DE ESQUECIMENTO 0 4.362 01/27/2015 - 22:48 Portuguese
Poesia/Thoughts MORRER QUE POR DENTRO DA PELE VIVE 0 5.302 01/27/2015 - 16:59 Portuguese
Poesia/Aphorism NENHUMA MULTIDÃO O SERÁ 0 5.010 01/26/2015 - 20:44 Portuguese
Poesia/Thoughts SILENCIOSA SOMBRA DE SOLIDÃO 0 5.999 01/25/2015 - 22:36 Portuguese
Poesia/Thoughts MIGALHAS DE SAUDADE 0 3.937 01/22/2015 - 22:32 Portuguese
Poesia/Thoughts ONDE O AMOR SEMEIA E COLHE A SOLIDÃO 0 4.476 01/21/2015 - 18:00 Portuguese
Poesia/Thoughts PALAVRAS À LUPA 0 5.374 01/20/2015 - 19:38 Portuguese
Poesia/Thoughts MADRESSILVA 0 4.184 01/19/2015 - 21:07 Portuguese
Poesia/Thoughts NA SOLIDÃO 0 5.753 01/17/2015 - 23:32 Portuguese
Poesia/Thoughts LÁPIS DE SER 0 5.313 01/16/2015 - 20:47 Portuguese