No bar

Pediu para que não a deixassem com o encargo de ser a solução para todos os problemas daquele dia que teimava em espreguiçar-se por sobre o acosso da noite. Reflectia quando a espuma insolente daquela cerveja de últimos recursos já parecia conseguir desenhar corações no mármore do balcão de todos os dias. Soava mal. Soava-se mal ao lhe perguntarem as sombras menos insolentes que conhecera, se queria dançar. Era sensual estar ali à espera que o sol a beijasse da forma apaixonada, como sempre esperara que a beijassem. Seria interessante a perspectiva de um duelo de sintagmas nominais com aquele jazz meloso que lambusava de sal o doce da sua pele. Deixava-se sempre ficar há semanas naquele cantinho, do menor espaço de bem estar que conhecia. Apanhavam-lhe pequenas coisas de ansiedade, quando com os olhos rosados parecia pedir socorro. Queria ser resgatada do não ter nada que pedir. Do não ter sítio para onde ir. Das poucas coisas que lhe restavam para se sentir coisa do mundo das coisas. Daquelas gotas de chuva do último dia de felicidade que lhe pintou o céu de expectativas, restava pouco. Lembrava-se ainda menos de como era sorrir por se sentir bem tratada pelo mundo. Achava já escassa a ideia de que aquele canto, aquele redondel de monumentos mal desenhados em que se aconchegava, noite após noite, servia para a proteger.
Apetecia-lhe abusos. Queria que a tratassem mal, para depois saber a que sabe desnudar o bem. Nem pedia muito. Só noites em que falar mais alto, fosse igual a não conter suspiros de desejos incontidos. Ter a quem beijar, para depois desprezar o sentir que não se tem ninguém para desejar. E no fim, descrever tudo em redondos e planos sentidos de páginas escritas ao som do vento melodioso, e da chuva que se desfia em gemidos de dor

Submited by

Friday, March 27, 2009 - 15:09

Prosas :

No votes yet

singelo

singelo's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 6 years 4 days ago
Joined: 04/07/2008
Posts:
Points: 511

Add comment

Login to post comments

other contents of singelo

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/Disillusion Faço qualquer coisa por ti.... 0 1.825 10/09/2011 - 21:51 Portuguese
Poesia/Meditation Cidadela.... 0 2.014 06/10/2011 - 16:36 Portuguese
Poesia/Fantasy Mulher descida da cruz 0 1.890 02/03/2011 - 16:39 Portuguese
Poesia/Disillusion Depressão 2 1.732 01/29/2011 - 20:45 Portuguese
Poesia/Meditation Tenho fome da fome 0 1.572 12/19/2010 - 11:34 Portuguese
Poesia/Meditation Poema de querer estabelecer prioridades..... 0 2.442 12/18/2010 - 17:35 Portuguese
Poesia/Disillusion Protesto de vinil 0 1.748 12/17/2010 - 18:05 Portuguese
Fotos/Profile 1243 0 2.525 11/23/2010 - 23:38 Portuguese
Prosas/Ficção Cientifica Fraco desnorte de amor 0 1.927 11/18/2010 - 23:03 Portuguese
Prosas/Mistério Ponto dois mil e dez 0 1.633 11/18/2010 - 22:57 Portuguese
Prosas/Fábula enportugalado 0 1.608 11/18/2010 - 22:48 Portuguese
Prosas/Drama Profissão, deixar correr o tempo 0 1.775 11/18/2010 - 22:48 Portuguese
Prosas/Ficção Cientifica Desenhos por me chamar cobarde 0 1.865 11/18/2010 - 22:48 Portuguese
Prosas/Lembranças Aculturado em tons de desânimo 0 1.957 11/18/2010 - 22:47 Portuguese
Prosas/Thoughts Cidade que descarnei e depois me cozinhou 0 1.909 11/18/2010 - 22:47 Portuguese
Prosas/Ficção Cientifica Dadaísmo 0 1.452 11/18/2010 - 22:47 Portuguese
Prosas/Comédia Monta-me 0 2.435 11/18/2010 - 22:47 Portuguese
Prosas/Thoughts O homem que retalhou o seu adeus 0 1.760 11/18/2010 - 22:47 Portuguese
Prosas/Fábula porque a indecisão são dois dias interrompidos 0 1.686 11/18/2010 - 22:45 Portuguese
Prosas/Tristeza No bar 0 1.791 11/18/2010 - 22:45 Portuguese
Poesia/Disillusion Só sou vulgar 0 2.073 11/17/2010 - 22:40 Portuguese
Poesia/Intervention Manuseamento efectivo da hipocrisia 0 1.811 11/17/2010 - 22:39 Portuguese
Poesia/Intervention Reformados 0 1.751 11/17/2010 - 22:39 Portuguese
Poesia/Fantasy Enfabulador 0 2.464 11/17/2010 - 22:25 Portuguese
Poesia/Aphorism Faceolítico 2 1.777 08/04/2010 - 21:28 Portuguese