Estranho adeus

Perturba-me mais a nudez da alma do que o corpo nú.
Ela esta sobre a cama, desfeita, mal iluminada.
Sorri vagamente, de dentro de si, de outra vida.
Um olhar multiplo, pleno de significados.
Uma vaga carícia, intermitente, irregular, como se aquela mão não pertencesse àquele corpo, ou este se tivesse abandonado ao arbítrio, sem controlo nem vontade.
Ele ergue-se.
Pesadamente.
Como se a vida lhe jogasse aos pés um coração amarrado, o punhal que o há-de mutilar lentamente, o sangue dos dois correndo paralelo, observando-se à distancia, sem se tocar.
Um frémito percorre-lhe as entranhas, redesenhando-lhe os contornos, inscrevendo-os com sal na pele ainda morna, depois do amor.
Um esgar de incontrolável sofrimento, uma ausência opressiva e omnipresente.
Estranho adeus.
Ela ve-o afastar-se, suspensa ainda no extase da última vez.
Não o reconhece mais.
Chora silenciosa, reverente.
No limite, reconhece-lhe o rosto.
Aquele que foi o mais amado.
No sofrimento reconhece-lo-à também, mais tarde,
distorcida a lembrança do sofrimento dele, o rosto contorcido pela dor da ausência, o inqualificavel rosto a que ela chamara de amor, que lhe retorna à lembrança como sal na veia aberta.
O nome, esse, perder-se-á também, tal como as mãos, a estaura, o sexo, a voz dele.
O resto que viver será tudo.
Sera nada.