Entra a Tucha, puxa o cabelo, levanta a saia, agacha-se e sai...
Saltava à corda, compassando cada salto com o pedalar do seu coração...
Saltava de olhos fechados, mergulhada num universo próprio...
O suor escorria-lhe pelas costas e as mãos apertavam a corda com toda a força que tinham, como se fosse aquele o ultimo elo que a prendesse à vida...
Pudesse o mundo lá fora ter a cadencia definida da sua corda que açoitava o ar numa velocidade ritmada e fiel, pudesse o seu cansaço afogar a dor numa dormência muscular...
Desejou saltar até morrer, concentrada no impulso consciente das suas pernas, que como gémeas siamesas de joelhos cúmplices, obedeciam a um cérebro obstinado e disciplinado.
Era um violino Stradivarius a precisar de carinho e respeito, mas tinha andado em mãos que não sabiam que a musica é uma arte e não efémera companhia enquanto se faz a barba num ritual anti-testosterona...
A corda também era lamina, fazia a barba do tempo, ceifava o espaço em fatias e confundia o mundo à sua volta numa estranha cumplicidade de dor de alma...
A corda sussurrava-lhe que a vida é um estranho ciclo que nos prende como hamsters correndo freneticamente em rodas, dentro de gaiolas, receando a obesidade mórbida da rotina...
E ela lutava com a corda, suando esperanças e sonhos que lhe lambiam os cabelos e rasteavam as costas de salmoura, gritava peitos de rebeldia e resistência entre dentes de revolta, porque não sabia deixar-se morrer, nem arrastar pelo mundo moribundo que a repugnava na ausência de densidade e tacto...
Gritava metáforas, amava hipérboles, menosprezava eufemismos e devorava sinestesias...
O ritmo de aliterações da corda era um equilíbrio vidracento de redoma redonda ridícula rominando rodízios de raiva...
Não seria a personificação estrangulada do sisal, nem o timbre fracassado da redundância...
Abriu os olhos, ousou sorrir!
Então a corda descontrolou-se e bateu-lhe na cara...
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Comments
Re: Entra a Tucha, puxa o cabelo, levanta a saia, agacha-...
Menina, minha alma fica aqui. No final, tu simplesmente arrasa! Levo. bj
Re: Entra a Tucha, puxa o cabelo, levanta a saia, agacha-...
Metraforicamente sublime.
Uma delicia, de cordas em peito de laminas,uma forte leitura na concentração metafórica de sinais de tortura.
Ès Jazmin em tragos de hortelã!
Re: Entra a Tucha, puxa o cabelo, levanta a saia, agacha-...
Profundamente marcante! Quantas vezes na vida, brigamos com a exaustão, levamos também na cara! Impressionantemente lindo. Abraços
Re: Entra a Tucha, puxa o cabelo, levanta a saia, agacha-...
Perfeito...
Adorei ler. Surpreendente. Metafórico, soberbo.
És genial amiga.