Um fascinante trecho do livro “Fahrenheit 451” (de 1953) - do escritor Ray Bradbury

"Não é de livros que você precisa, é de algumas das coisas que antigamente estavam nos livros. As mesmas coisas poderiam estar nas ‘famílias’ [...]. Os mesmos detalhes meticulosos, as mesmas consciências poderiam ser transmitidas pelos rádios e televisores, mas não são. Não, não! Absolutamente não são os livros o que você está procurando! Descubra essa coisa onde puder: nos velhos discos fonográficos, nos velhos filmes, nos velhos amigos; procure na natureza e procure em você mesmo. Os livros eram só um tipo de receptáculo onde armazenávamos muitas coisas que receávamos esquecer. Não há neles nada de mágico! A magia está apenas no que os livros dizem; no modo como confeccionavam um traje para nós a partir de retalhos do universo. É claro que você não poderia saber disso, é claro que você ainda não pode entender o que quero dizer com tudo isso. Mas intuitivamente está certo, isso é o que conta. Três coisas estão faltando. A primeira: você sabe por que livros como este são tão importantes? Porque têm qualidade! E o que significa a palavra qualidade? Para mim, significa textura. Este livro tem poros. Tem feições. Este livro poderia passar por um microscópio! Você encontraria vida sob a lâmina, emanando em profusão infinita. Quanto mais poros, quanto mais detalhes de vida fielmente gravados por centímetro quadrado você conseguir captar numa folha de papel, mais ‘literário’ você será. Pelo menos, esta é a minha definição. Detalhes reveladores. Detalhes frescos. Os bons escritores quase sempre tocam a vida. Os medíocres apenas passam rapidamente a mão sobre ela. Os ruins a estupram e a deixam para as moscas. Entende agora por que os livros são odiados e temidos? Eles mostram os poros no rosto da vida! Os que vivem no conforto querem apenas rostos com cara de lua de cera, sem poros, nem pelos, inexpressivos. Estamos vivendo num tempo em que as flores tentam viver de flores, e não com a boa chuva e o húmus preto. Mesmo os fogos de artifício, apesar de toda sua beleza, derivam de produtos químicos da terra. No entanto, de algum modo, achamos que podemos crescer e viver alimentando-nos de flores e fogos de artifício, sem completar o ciclo de volta à realidade. [...] Bem, aí temos a primeira coisa de que precisamos: qualidade, textura da informação. A segunda é o lazer. Temos horas de folga, sim. Mas e tempo para pensar? [...] Por quê? O televisor é ‘real’. É imediato, tem dimensão. Diz o que você deve pensar e o bombardeia com isso. Ele tem que ter razão! Ele parece ter muita razão. E o leva tão depressa às conclusões que sua cabeça não tem tempo para protestar: ‘Isso é bobagem!’. Graças a Deus, os livros não são ‘reais’. Você pode fechá-los e dizer: ‘Espere um pouco aí!’. Você pode fazer com eles o papel de Deus. Mas quem consegue se livrar das garras que se fecham em torno de uma pessoa que joga uma semente num salão de tevê? Ele dá a você a forma que ele quiser! É um ambiente tão real quanto o próprio mundo. Ele se torna a verdade e é a verdade. Os livros podem ser derrotados com a razão. [...] E a terceira coisa é o direito de realizar ações com base no que aprendemos da interação entre as duas primeiras. [...] Precisamos de conhecimento. Os livros servem para nos lembrar do quanto somos estúpidos e tolos. [...] As coisas que você está procurando estão no mundo, mas a única possibilidade que o sujeito comum terá de ver, noventa e nove por cento delas está num livro. Não peça garantias. E não espere ser salvo por uma coisa, uma pessoa, máquina ou biblioteca. Trate de agarrar a sua própria tábua. E, se você se afogar, pelo menos morra sabendo que estava no rumo da costa.”

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Viernes, Noviembre 8, 2013 - 12:11
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MaynardoAlves

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