Metamorfose filosófica: bênção ou maldição?

Os eruditos são aqueles que leram muitas coisas nos livros;
mas os pensadores, os gênios, os fachos de luz e promotores da espécie humana
são aqueles que leram diretamente o livro do mundo.
No fundo, apenas os pensamentos próprios são verdadeiros e têm vida,
pois somente eles podem ser entendidos de forma autêntica.
Pensamentos alheios, lidos, são como as sobras da refeição de outra pessoa.
A filosofia, como a compreendi e a vivi até agora,
é vida voluntária no meio do gelo e do isolamento nas altas montanhas
– é a busca de tudo o que é estranho e duvidoso na existência,
de tudo o que foi até agora proscrito pela moral.
A pior condição intelectual do homem é a condição de ser filósofo...
digo mesmo "de ser" e não "de estar",
pois não é possível estar e depois não estar filósofo;
uma vez abertos os olhos, os mesmos não mais se fecham;
uma vez expandida a mente, a mesma não volta a seu tamanho original.
(E não falo aqui do filósofo "profissional", do professor,
do autor, do historiador ou do estudante de filosofia:
falo de qualquer um que pode fazer uso a qualquer momento da filosofia
ao pensar e refletir, mesmo que minimamente,
sobre este mundo e o que fazemos dele e nele).
E então, este filósofo passa a ver e a perceber tudo à sua volta,
perdendo, assim, a bênção da felicidade proporcionada pela ignorância;
e o incômodo de perceber verdadeiramente seus semelhantes o invade.
Trata-se, ao mesmo tempo, de uma bênção e de uma maldição:
a pessoa passa a enxergar as maravilhas do mundo (mesmo as mais simples)
e passa também a ver as maldições do mundo (mesmo as mais escondidas)
causadas por estes mesmos semelhantes.
Quer fugir. Quer sumir.
Isolar-se de tudo e de todos.
Passa pelos sintomas dolorosos e incessantes de sua metamorfose.
As dores da alma se modificam.
De repente, o egoísmo é sua principal característica.
A impossibilidade de entender o ser humano
(ou a possibilidade de compreendê-lo totalmente)
o perturba, juntamente com a vontade incontrolável
de tentar compreender o mundo e a realidade e transformá-los.
Então passa a sonhar com o futuro,
com a possibilidade das pessoas passarem a viver suas vidas de uma maneira diferente,
de uma maneira melhor.
Ou passa a desejar o passado,
quando ainda não havia sido amaldiçoado pela consciência de si e de sua posição no mundo,
e era abençoado pela felicidade ignorante de nada ver, nada perceber, sobre nada pensar
e pela ingênua alegria de ser indiferente ao mundo que o cerca.
O filósofo é aquele que constantemente vive, vê, ouve, suspeita, investiga e sonha...
coisa extraordinária!
Aquele que se faz perguntas filosóficas
é o indivíduo que percebeu que sua casa tem janelas,
de onde se contempla um vasto e curioso horizonte.
Diante do temor do desconhecido,
deixa um conselho curto e simples: "ouse pensar".
Aquele que se maravilha e fica perplexo sente e sabe que é ignorante;
portanto, foi para escapar da ignorância que se criou a filosofia;
é evidente que se buscou essa ciência por amor ao conhecimento,
e não visando qualquer utilidade prática.
Aquele que pensa agora passa por entre os homens como por entre animais.
Aquele que pensa chama o homem de animal de faces vermelhas.
E por que isto?
Porque aquele teve que se envergonhar demasiadas vezes...
Vergonha, vergonha! Esta é a história do homem!

Submited by

Lunes, Diciembre 3, 2018 - 15:23

Poesia :

Su voto: Nada (5 votos)

MaynardoAlves

Imagen de MaynardoAlves
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 1 año 5 semanas
Integró: 05/02/2010
Posts:
Points: 597

Comentarios

Imagen de MaynardoAlves

Metamorfose filosófica: bênção ou maldição?

Trata-se da irreversível metamorfose da qual sofremos todos nós quando passamos a perseguir o conhecimento e a pensar filosoficamente.

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of MaynardoAlves

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Aforismo O vinhedo universal 1 1.858 02/06/2020 - 13:39 Portuguese
Poesia/Meditación Metamorfose filosófica: bênção ou maldição? 1 2.335 12/03/2018 - 15:23 Portuguese
Poesia/Intervención Aos vivos que ficam ou Epitáfio II 1 1.761 10/09/2018 - 12:41 Portuguese
Poesia/General Meu pequeno depoimento em prol do ateísmo 0 1.415 09/26/2018 - 00:17 Portuguese
Poesia/General Revolucionário... revolucionário!? 1 1.518 09/25/2018 - 17:12 Portuguese
Prosas/Otros Meu pequeno depoimento em prol do ateísmo 0 1.810 09/19/2018 - 19:13 Portuguese
Poesia/Meditación O legado de um filósofo 1 1.620 09/17/2018 - 19:45 Portuguese
Poesia/Intervención Os novos mandamentos (ou melhor, conselhos) 1 2.011 08/28/2018 - 23:53 Portuguese
Poesia/Fantasía O jardim de Epicuro 1 1.924 08/22/2018 - 16:14 Portuguese
Poesia/Tristeza Em (des)construção 1 1.914 08/10/2018 - 14:46 Portuguese
Poesia/Tristeza Máquina do tempo 1 2.168 08/08/2018 - 16:28 Portuguese
Poesia/Tristeza Valores familiares 1 1.951 08/08/2018 - 16:21 Portuguese
Poesia/Pensamientos Um lugar para chamar de seu 1 1.980 08/08/2018 - 16:14 Portuguese
Poesia/Meditación Humilde-se! 1 1.850 05/21/2018 - 11:41 Portuguese
Poesia/Tristeza Um inferno (para um poeta) 1 2.056 05/21/2018 - 11:34 Portuguese
Prosas/Otros Onde? 2 1.820 03/08/2018 - 17:41 Portuguese
Poesia/Comedia Meu amigo ócio 4 2.070 03/06/2018 - 15:20 Portuguese
Poesia/General Promessas para uma vida nova 2 2.291 03/05/2018 - 20:09 Portuguese
Poesia/Meditación Se Deus existisse... 4 1.791 03/05/2018 - 19:56 Portuguese
Poesia/Intervención Onde? 18 2.361 01/03/2018 - 18:28 Portuguese
Poesia/Meditación Um instante infinito 1 1.869 11/17/2017 - 14:00 Portuguese
Poesia/Desilusión Ainda no exílio (desde os dias de Gonçalves Dias) 1 2.142 11/08/2017 - 11:38 Portuguese
Poesia/Canción Sem título (por luto) 1 1.947 10/27/2017 - 14:34 Portuguese
Poesia/General Mensagem 1 2.029 03/27/2017 - 13:50 Portuguese
Poesia/Aforismo O exagero de Sócrates 0 1.767 10/14/2016 - 19:50 Portuguese