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Sete Canções de Declínio
Sete Canções de Declínio
1.
Um vago tom de opala debelou
Prolixos funerais de luto d'Astro -
E pelo espaço, a Oiro se enfolou
O estandarte real - livre, sem mastro.
Fantástica bandeira sem suporte,
Incerta, nevoenta, recamada -
A desdobrar-se como a minha Sorte
Predita por ciganos numa estrada. . .
2.
Atapetemos a vida
Contra nós e contra o mundo.
- Desçamos panos de fundo
A cada hora vivida.
Desfiles, danças - embora
Mal sejam uma ilusão.
- Cenários de mutação
Pela minha vida fora!
Quero ser Eu plenamente:
Eu, o possesso do Pasmo.
- Todo o meu entusiasmo,
Ah! que seja o meu Oriente!
O grande doido, o varrido,
O perdulário do Instante -
O amante sem amante,
Ora amado ora traído...
Lançar as barcas ao Mar -
De névoa, em rumo de incerto...
- Pra mim o longe é mais perto
Do que o presente lugar.
...E as minhas unhas polidas -
Ideia de olhos pintados. . .
Meus sentidos maquilados :
A tintas desconhecidas...
Mistério duma incerteza
Que nunca se há-de fixar...
Sonhador em frente ao mar
Duma olvidada riqueza...
- Num programa de teatro
Suceda-se a minha vida:
Escada de Giro descida
Aos pinotes, quatro a quatro!...
3.
- Embora num funeral
Desfraldemos as bandeiras:
Só as Cores são verdadeiras -
Siga sempre o festival!
Kermesse - eia! - e ruído!
Louça quebrada! Tropel!
Defronte do carroussel,
Eu, em ternura esquecido...
Fitas de cor, vozearia -
Os automóveis repletos:
Seus chauffeurs - os meus afectos
Com librés de fantasia!
Ser bom... Gostaria tanto
De o ser... Mas como? Afinal
Só se me fizesse mal
Eu fruiria esse encanto.
- Afectos... divagações...
Amigo dos meus amigos...
Amizades são castigos,
Não me embaraço em prisõe
Fiz deles os meus criados,
Com muita pena - decerto.
Mas quero o Salão aberto,
E os meus braços repousados.
4.
As grandes Horas! - vivê-las
A preço mesmo dum crime!
Só a beleza redime -
Sacrifícios são novelas.
«Ganhar o pão do seu dia
Com o suor do seu rosto»...
- Mas não há maior desgosto
Nem há maior vilania!
E quem for Grande não venha .
Dizer-me que passa fome:
Nada há que se não dome
Quando a Estrela for tamanha!
Nem receios nem temores,
Mesmo que sofra por nós
Quem nos faz bem. Esses dós
Impeçam os inferiores.
Os Grandes, partam - dominem
Sua sorte em suas mãos:
- Toldados, inúteis, vãos,
Que o seu Destino imaginem!
Nada nos pode deter;
O nosso caminho é d'Astro!
Luto - embora! - o nosso rastro,
Se pra nós Oiro há-de ser!. . .
5.
Vaga lenda facetada :
A imprevisto e miragens
Um grande livro de imagens,
Uma toalha bordada. . .
Um baile russo a mil cores,
Um Domingo de Paris -
Cofre de Imperatriz
Roubado por malfeitores...
Antiga quinta deserta
Em que os donos faleceram -
Porta de cristal aberta
Sobre sonhos que esqueceram...
Um lago à luz do luar
Com um barquinho de corda. . .
Saudade que não recorda -
Bola de tennis no ar...
Um leque que se rasgou -
Anel perdido no parque -
Lenço que acenou no embarque
D'Aquela que não voltou...
Praia de banhos do sul
Com meninos a brincar
Descalços, à beira-mar,
Em tardes de céu azul...
Viagem circulatória
Num expresso de wagons-leitos -
Balão aceso - defeitos
De instalação provisória. . .
Palace cosmopolita
De rastaquoères e cocottes -
Audaciosos decotes
Duma francesa bonita...
Confusão de music-hall,
Aplausos e brou-u-há -
Interminável sofá
Dum estofo profundo e mole...
Pinturas a «ripolin»,
Anúncios pelos telhados -
O barulho dos teclados
Das Linotyp' do «Matin»...
Manchette de sensação
Transmitida a todo o mundo -
Famoso artigo de fundo
Que acende uma revol'ção...
Um sobrescrito lacrado
Que transviou no correio,
E nos chega sujo - cheio
De carimbos, lado a lado...
Nobre ponte citadina
De intranquila capital -
A humidade outonal
Duma manhã de neblina...
Uma bebida gelada -
Presentes todos os dias...
Champanhe em taças esguias
Ou água ao sol entornada...
Uma gaveta secreta
Com segredos de adultérios...
Porta falsa de mistérios -
Toda uma estante repleta:
Seja enfim a minha vida
Tarada de ócios e Lua:
Vida de Café e rua,
Dolorosa, suspendida -
Ah! mas de enlevo tão grande
Que outra nem sonho ou prevejo...
- A eterna mágoa dum beijo,
Essa mesma, ela me expande...
6.
Um frenesi hialino arrepiou
Pra sempre a minha carne e a minha vida.
Fui um barco de vela que parou
Em súbita baía adormecida. . .
Baía embandeirada de miragem,
Dormente de ópio, de cristal e anil,
Na ideia dum país de gaze e Abril,
Em duvidosa e tremulante imagem...
Parou ali a barca - e, ou fosse encanto,
Ou preguiça, ou delírio, ou esquecimento,
Não mais aparelhou... - ou fosse o vento
Propício que faltasse: ágil e santo...
... Frente ao porto esboçara-se a cidade,
Descendo enlanguecida e preciosa:
As cúpulas de sombra cor de rosa,
As torres de platina e de saudade.
Avenidas de seda deslizando,
Praças d'honra libertas sobre o mar-
Jardins onde as flores fossem luar;
Lagos - carícias de âmbar flutuando...
Os palácios a rendas e escumalha,
De filigrana e cinza as Catedrais -
Sobre a cidade, a luz - esquiva poalha
Tingindo-se através longos vitrais...
Vitrais de sonho a debruá-la em volta,
A isolá-la em lenda marchetada:
Uma Veneza de capricho - solta,
Instável, dúbia, pressentida, alada...
Exílio branco - a sua atmosfera,
Murmúrio de aplausos - seu brou-u-há...
E na Praça mais larga, em frágil cera,
Eu - a estátua «que nunca tombará»...
7.
Meu alvoroço d'oiro e lua
Tinha por fim que transbordar...
- Caiu-me a Alma ao meio da rua,
E não a posso ir apanhar!
Paris - julho e agosto 1915.
Mário de Sá-Carneiro
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