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TRABALHOS DA VIDA HUMANA
Je Suis forcé de m'abaisser
Pour me faire entendre.
Voltaire.
Se em verso cantava d'antes
O poder da formosura,
Hoje vou chorar em verso
Inconstancias da ventura.
Vou pintar os dissabores,
Que soffre meu coração,
Desde que lei rigorosa
Me pôz em dura prisão.
A dez de Agosto, esse dia,
Dia fatal para mim,
Teve principio o meu pranto,
O meu socego deu fim.
Do funesto Limoeiro
Já tóco os tristes degraus,
Por onde sobem, e descem
Egualmente os bons, e os maus.
Correm-se das rijas portas
Os ferrolhos estridentes,
Feroz conductor me enterra
No sepulchro dos viventes.
Para a casa dos assentos
Caminho com pés forçados;
Ali meu nome se ajunta
A mil nomes desgraçados.
Para o volume odioso
Lançando os olhos a medo,
Vejo pôr — Manuel Maria —
E logo á margem — Segredo. —
Eis que sou examinado
Da cabeça até aos pés,
E vinte dedos me apalpam,
Quando de mais eram dez.
Tiram-me chapéo, gravata,
Fivellas, e d'esta sorte,
Por um guarda sou levado
Ao domicilio da morte.
Estufa de treze palmos
Co'uma fresta, que dizia
Para o logar ascoroso,
Denominado enxovia.
Fecham-rne, fico assombrado
Na medonha solidão,
E, sem cama a que me encoste,
Descanço os membros no chao.
Mil terriveis pensamentos
Da minha alma se apoderam,
Gostos, e bens d'este mundo
Então conheci o que eram.
Nos olhos o pranto ferve,
No coração cresce a dôr,
E com males da fortuna
Se mixtura o mal de amor.
Quando mais se lamentava,
Se abre de improviso a porta,
E ouço um animo benigno,
Que me alenta, e me conforta.
Era Ignacio, affavel peito,
Alma cheia de piedade,
Credor dos meus elogios,
Por heróe da humanidade.
Do amavel carcereiro
Me patentêa o desgosto,
Diz que piedoso me envia
Pobre, mas util encosto.
Junta a este beneficio
A necessaria comida,
Com que sustentasse o fio
D'esta lastimosa vida.
Garnier terno, sensivel,
Tu foste um nuncio divino,
Que veiu tornar mais doce
O meu penoso destino.
Os amigos inconstantes
Me tinham desamparado;
E nas garras da indigencia
Eu gemia atribulado;
Quando Aonio, o caro Aonio,
Da natureza thesouro
A' triste penuria manda
Efficaz auxilio de ouro.
Em quanto existir Elmano,
Sempre, oh genio singular,
Na sua alma, e nos seus versos
Terás honroso logar.
Passados vinte e dous dias,
Sofrrendo mil magoas juntas,
Em fim por um dos meus guardas
Fui conduzido a perguntas.
O ministro destinado
Era o respeitavel Brito,
Que logo viu no meu rosto
Mais um erro, que um delicto.
Olhou-me com meigo aspecto,
Com branda, amigavel fronte,
E fui logo acareado
Com o meu amavel Ponte.
Portei-me como quem tinha
Para a verdade tendencia;
Do peso da opinião
Aligeirei a innocencia.
Puni pelo caro amigo,
Ferido de interna dôr:
Singular sou na amisade,
Como singular no amor.
Posto fim ao acto serio,
O meu guia me conduz
Para segredo mais largo,
De que não tem medo a luz.
Fiquei mais desafogado,
Mas tambem fiquei mais só,
E de amargura sentia
Soltar-se da vida o nó.
Lembrava-me a curta fresta,
Por onde á presa matula
Ouvia de quando em quando
Conto vil em pbrase chula.
Lembrava- me a gritaria,
Que faz a corja, a quem passa,
Loucamente mixturando
O prazer com a desgraça.
Lembrava-me este catando
Piolho, que d'alvo brilha,
Aquelle a chuchar gostoso
Cigarro, que ou compra, ou pilha.
Um por baldas, que lhe sabe,
Ao outro dando matraca;
Estes cantando folias,
Aquelles jogando a faca.
Cousas taes, que n'outro tempo
Me fariam anciedade,
Eram então para mim
Estimulos de saudade.
Servindo-me de tormento
A minha imaginação,
Em claro passava as noutes,
Passava os dias em vão.
O meu extremoso Ignacio
Benigno me visitava,
E com suaves conselhos
A minha pena adoçava.
Qual foi commigo ao principio,
Commigo a ser continua:
Os desgraçados encontram
Poucas almas, como a sua.
Céo, que todas as venturas.
Todos os bens tens comtigo,
Faze que ser grato eu possa
Ao meu benefico amigo.
Ou tantas felicidades
Te digna, céo, de lhe dar,
Quantas as razões, que eu tenho
De todas lhe desejar.
Em fim, depois de soffrer
Tardas horas de tormento,
Fui costumando a minha alma
Ao solitario aposento.
O Deus creador do mundo,
Pae, amigo universal,
Com saudavel, brando somno
Foi-me interrompendo o mal.
D'este centro da tristeza,
Morada das afficções,
Fiz ao logar das perguntas
Inda mais tres digressões.
Amo, professo a verdade:
Nas tres digressões que fiz,
Sempre achei o amavel Brito
Mais bemfeitor, que juiz.
Tal tem sido a minha sorte
N'esta dolorosa estancia,
Aonde a philosophia
As vezes despe a constancia.
Ha já quarenta e tres dias
Que choro n'este degredo:
Hei de ser muito calado,
Costumaram-me ao segredo.
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